Santosh é candidato à presidência da Índia para provar que está vivo

Foto
O sistema de castas já foi abolido, mas é seguido à letra numa grande parte da Índia, pobre ou rural Danish Siddiqui/Reuters

"Decidi apresentar a minha candidatura à presidência para provar que estou vivo." Poucas frases merecem ser o início de uma notícia e esta é uma dessas ocasiões raras. Há pelo menos nove anos que o cidadão indiano Santosh Kumar Singh está oficialmente morto. Morreu porque cometeu um pecado e porque o pecado deu muito jeito aos primos.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

"Decidi apresentar a minha candidatura à presidência para provar que estou vivo." Poucas frases merecem ser o início de uma notícia e esta é uma dessas ocasiões raras. Há pelo menos nove anos que o cidadão indiano Santosh Kumar Singh está oficialmente morto. Morreu porque cometeu um pecado e porque o pecado deu muito jeito aos primos.

Depois de seis meses de protesto público, sem que os funcionários da administração pública oficializassem o óbvio, fez como outros indianos - teve uma ideia para dar nas vistas e obrigar o Estado a ressuscitá-lo.

A história, contada à distância, tem graça. Mas Santosh vive aterrorizado. "Isto é como sofrer de um problema físico ou mental", disse à agência espanhola Efe. "Vivo como se estivesse deitado numa pira funerária."

A vida deste indiano de 32 anos ficou presa numa forte teia feita de discriminação e cobiça.

Cozinheiro de profissão, Santosh Kumar Singh viu oportunidades na chegada à sua aldeia, Chitawni, no Uttar Pradesh, de uma equipa de filmagens. No grupo estava uma famosa estrela do cinema de Bollywood, o actor e realizador Nana Patekar, que contratou Santosh para fazer as refeições dos artistas. Patekar gostou dos petiscos e de Santosh e, ao regressar a Bombaim, levou-o para ser seu cozinheiro.

Em Bombaim, o cozinheiro conheceu uma mulher, os dois apaixonaram-se, casaram-se e tiveram um filho. Por mão própria ou porque as notícias correram depressa, os primos do cozinheiro - órfão desde pequeno e sem irmãos - apressaram-se a reunir-se. Santosh fizera uma coisa proibida e deveria pagar por ela: casou-se com uma "intocável", o nível mais baixo do sistema de castas da Índia que, apesar de já ter sido abolido (é proibido discriminar devido a casta), ainda é seguido à letra numa grande parte da Índia, sobretudo a rural.

Os primos delinearam uma estratégia. Primeiro, deram Santosh como desaparecido, a seguir declararam-no morto e pediram a certidão de óbito, depois realizaram as cerimónias fúnebres e declararam-se herdeiros dos 42 quilómetros quadrados de terra que os pais deixaram ao cozinheiro. Isto foi antes de 2003, ano em que Santosh Kumar Singh foi a casa e soube que estava morto. Foi às autoridades locais apresentar-se. "Disseram-me que por causa das terras estava muito dinheiro em jogo e que o melhor era ir-me embora e viver a minha vida."

Nove anos de tentativas para recuperar os seus direitos de cidadão esbarraram sempre no mesmo novelo - o das terras e a dos documentos; se não tem documentos, como pode provar que está vivo?

Durante seis meses, realizou um protesto junto ao Jantar Mantar - o conjunto arquitectónico que o marajá Jai Singh II mandou construir em Nova Deli no século XVIII. Mas não pôde ficar mais tempo ali. A acção não estava a dar resultados e não podia continuar sem trabalhar.

Cometer um crime?

Algumas pessoas disseram-lhe para cometer um crime; como criminoso teriam de lhe dar a vida de volta antes de o poder punir. Ele teve uma ideia melhor: entrou no Parlamento e declarou-se candidato à presidência; as eleições estão próximas, são no dia 19 de Julho e são indirectas, uma vez que é o Parlamento que escolhe o chefe de Estado.

"É claro que não quero ser Presidente", disse ao India Times. "O que eu quero é juntar o máximo possível de documentos oficiais de forma a provar que estou vivo", explicou Santosh Kumar Singh, que não é o único cidadão da Índia apanhado na rede das más práticas administrativas e do desleixo dos serviços públicos indianos, e da desonestidade familiar e da discriminação de castas - quem se una a uma casta inferior ainda é, em muitas zonas da Índia, privado de todos os seus direitos e ostracizado, passando a viver como um morto-vivo.

Santosh Sing foi recebido num gabinete do Parlamento. Aceitaram-lhe o pedido de candidatura e passaram-lhe um recibo com o seu nome, que é agora o único documento a provar que não é um homem morto. Mas deixaram-lhe um aviso: o processo pode não ser aceite porque está incompleto - falta o documento de identidade do candidato!