"Twitter-haiku", "twaiku", etc, etc, etc
Tanto o "haiku" como o Twitter, através das 17 sílabas e dos 140 caracteres, respectivamente, impõe uma concisão ao discurso
Quantos de nós, imediatamente após ter aderido ao Twitter, ficaram indecisos quanto ao conteúdo do primeiro "twitt"; acabando, consequentemente, por constatar — e isso com um leve sentimento de absurdo — que nada de pertinente tínhamos a comunicar? Por mais mirabolante que possa parecer, a minha relação com o Twitter não teria ultrapassada essa questão tão ridícula quanto “pertinente” se, certo dia, ao sair de casa da Lena, não me tivesse ocorrido "twittar" este "haiku":
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Quantos de nós, imediatamente após ter aderido ao Twitter, ficaram indecisos quanto ao conteúdo do primeiro "twitt"; acabando, consequentemente, por constatar — e isso com um leve sentimento de absurdo — que nada de pertinente tínhamos a comunicar? Por mais mirabolante que possa parecer, a minha relação com o Twitter não teria ultrapassada essa questão tão ridícula quanto “pertinente” se, certo dia, ao sair de casa da Lena, não me tivesse ocorrido "twittar" este "haiku":
Que manchas são essas,
no teclado do piano? ~
O sorriso Nutela da Clarinha ~
Subitamente: um "satori" — isso que o Budismo Zen professa como sendo uma brusca e avassaladora iluminação; a contemplação —, relâmpago da Verdade contido naquilo que se nos aparenta ínfimo, anódino, trivial… asseguradamente o Belo… provavelmente o Uno… o Nirvana…
Ora, se bem que o "satori" é igualmente tido como o efeito estético característico do "haiku", devo contudo precisar que esta “iluminação” não foi causada pelo poema em si mas sim pelo acto de tê-lo "twittado".
É que, ao ter enviado o "sorriso Nutela da Clarinha" para aquilo que designamos de “ciberespaço”, ao tê-lo encadeado à miríade de "twitts", o Twitter se revelou a mim enquanto poema-infinito, enquanto sinfonia que, precisamente por ser composta em grande parte de "faits divers", reproduz, modula, todas as experiências, todos os sentimentos, todas as variações da nossa existência… De “ressaca”, fui deslumbrado pela Vida…
Apostólia: Tendo em conta que o "haiku" é um género fixo, sabendo que, para que ele seja assim reconhecido, a obediência às prescrições formais elementares, ou seja: presença de uma métrica 5-7-5, de um "kigo" e de um "kireji", é fundamental, tenho de reconhecer que o poema que "twittei" não é (propriamente) um "haiku" mas, a bem dizer, um "senryu" — variante genelógica daquele que se caracteriza precisamente pelo recurso à licença formal e estilística.
Ora, é flagrante que — verosimilmente, entre outras razões, por ignorância dessas considerações — os poetas de "haiku" que proliferam no Twitter com seus “twitter-haiku” não partilham os meus escrúpulos teóricos. Seja lá o que for, é incontestável que o “twitter-haiku” — ou “twaiku”, como também é designado — se impôs não só como moda mas igualmente, quiçá, como nova prática poética, ciberpoética… (?);
«Celebrating a form of Twitterature»: convite lançado aos leitores do "NY Times" afim de comemorar, através de um “twaiku”, a coincidência do aniversário do primeiro "twitt" jamais enviado e do Dia Mundial da Poesia. Talvez não seja mera coincidência. Se a prática do “twaiku” remota aos primeiros dias do Twitter, talvez seja porque as funções deles se confundem. Grosso modo: tanto o "haiku" quanto o Twitter, através das 17 sílabas e dos 140 caracteres, respectivamente, impõe uma concisão ao discurso — mecanismo propício à “função fático”: o anódino, o trivial, algo aparentemente insignificante: características, aliás, tidas como próprias do "haiku"…
Mas, afinal, o que é que move os praticantes de “twaiku”? Creio que é a combinação, a promessa, de facilitismo e de instantaneidade artística. Passo a explicar através de um trecho do "Empire des Signes", no qual Roland Bar… "— Ai Jesus…! Exclama então a Lena, Xano, então isto é a crónica que me dedicaste? Tanta tagarelice! Qu’imbróglio! — Deixa-me só acabar. — Bá! Mas acaba com o pedantismo das frases complexas!!! — Sucinto: qualquer prática que confia apenas na doxa, no senso comum, que menospreza e recusa a autocrítica, redundará inevitavelmente no cliché, no "ersatz", no "kitch". É o perigo do “consumo das práticas artísticas”, práticas “polaroids”: a lomografia, o "instagram", o "twaiku", etc, etc, etc. — Blá, blá, blá…»