Os africanos começaram a consumir leite de vaca há sete mil anos

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Pinturas rupestres de vacas domésticas com cinco mil a oito mil anos, em Wadi Imha, na Líbia Roberto Ceccacci/Universidade Sapienza de Roma

Publicada na edição desta semana da revista Nature, esta descoberta vem dar respostas sobre a forma como as populações adultas do Norte de África se tornaram tolerantes à lactose, o principal açúcar do leite fresco, que em tempos a maioria dos humanos deixava de tolerar depois dos nove ou dez anos de idade, causando-lhes problemas intestinais.

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Publicada na edição desta semana da revista Nature, esta descoberta vem dar respostas sobre a forma como as populações adultas do Norte de África se tornaram tolerantes à lactose, o principal açúcar do leite fresco, que em tempos a maioria dos humanos deixava de tolerar depois dos nove ou dez anos de idade, causando-lhes problemas intestinais.

As vacas começaram a ser domesticadas há cerca de dez mil anos, no Crescente Fértil, no que é actualmente a Turquia, Síria ou Israel. À Europa, elas chegaram há aproximadamente oito mil anos e o leite fresco acabou por entrar na dieta dos europeus por essa altura ou pouco depois.

Agora, a arqueóloga Julie Dunne, da Universidade de Bristol, no Reino Unido, e os seus colegas apresentam na Nature as primeiras provas, que consideram inequívocas, do consumo de leite e dos seus derivados na região do deserto do Sara. Há sete mil anos, o Sara já era árido, mas ainda não se tinha tornado no deserto que hoje conhecemos, e uns três mil anos antes era mesmo uma região húmida e verde. Quando foi ficando árida, as populações adoptaram estilos de vida mais nómadas e pastoris.

Nas rochas de Wadi Imha, na parte líbia do Sara, há rochas repletas de desenhos coloridos de gado bovino: alguns dos animais são representados com as tetas cheias de leite e há pessoas a ordenhá-las, só que não tem sido possível datar estas imagens.

Mas a análise da gordura em 81 fragmentos de cerâmica, com 7200 a 5800 anos, encontrados no abrigo de Takarkori, permitiu identificar a origem dessas gorduras e concluir que o leite teve um papel importante na dieta dos habitantes daquela região.

Estes resultados são “notáveis” por várias razões, escreve por sua vez a equipa no artigo. “Primeiro, confirmam que bovinos domesticados, usados como parte de uma economia de produção de leite, existiam na África do Norte há sete mil anos, o que fundamenta a ideia de uma incursão precoce no Sara central e sugere um processo local de pastoreio baseado na exploração de produtos derivados”, continua o artigo. “Segundo, a descoberta de resíduos de gordura em cerâmica é consistente com o processamento do leite, fornecendo assim uma explicação, apesar da intolerância à lactose, para o consumo de produtos lácteos por estas populações, com a prática a ser adoptada rapidamente.”

“Eles até podem ter consumido leite, embora em pequenas quantidades”, resumiu, citado numa notícia da Nature, Richard Evershed, também da Universidade de Bristol. “Talvez processassem o leite para baixar o conteúdo de lactose.”

A equipa considera ainda que esta descoberta é consistente com uma variação genética – encontrada nos europeus, que lhes permite continuar a produzir uma enzima (a lactase) na idade adulta para digerir o leite – que também está presente em certos grupos de África Central, como os fulas do Norte dos Camarões. A presença desta variação genética em África, refere a equipa, reforça a ideia de que as populações, mais as suas vacas, se deslocaram do Próximo Oriente para o Leste de África no início do Holocénico, há cerca de dez mil anos.