Divórcio à portuguesa: elas acusam falta de comunicação no casal, eles a ausência de amor
Apesar da neutralidade da lei que o rege, o divórcio encerra assimetrias de género quanto aos seus gatilhos: elas vêem na "falta de comunicação" no casal um dos principais motivos para a ruptura, enquanto eles apontam a "ausência de amor". Elas queixam-se de violência física e de falta de independência no casamento; eles falam em desacordos de ordem financeira.
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Apesar da neutralidade da lei que o rege, o divórcio encerra assimetrias de género quanto aos seus gatilhos: elas vêem na "falta de comunicação" no casal um dos principais motivos para a ruptura, enquanto eles apontam a "ausência de amor". Elas queixam-se de violência física e de falta de independência no casamento; eles falam em desacordos de ordem financeira.
Denominador comum entre os dois: o divórcio surgiu como um "alívio", corroborando a ideia de que "a ruptura surge como desfecho limite para uma situação sentida como intolerável", adiantou ao PÚBLICO a socióloga Ana Reis Jorge, co-autora, juntamente com Manuel Carlos Silva, da comunicação Divórcio e Assimetrias de Género, que é apresentada no VII Congresso de Sociologia que decorre de hoje a sexta-feira no Porto.
Apesar da ligeira descida no número de divórcios verificada em 2011 - constatação que aguarda pelos números oficiais do INE, mas que os especialistas vão atribuindo ao facto de a crise ter tornado mais difícil a emancipação de cada um dos membros do casal -, as rupturas atingem cada vez mais casamentos. Em 2000, houve 63.752 casamentos para 19.104 divórcios. Em 2010, o INE contava já 27.903 divórcios e 39.993 casamentos. Nesse ano, por cada 100 casamentos houve 68,9 divórcios.
Esbateram-se os constrangimentos sociais, diluiu-se a capacidade sancionatória da Igreja, mudou a maneira de encarar o casamento. Ainda por cima, a Lei n.º 61/2008 acabou com a violação culposa dos deveres conjugais, ou seja, permitiu que um cônjuge accionasse o divórcio sem consentimento do outro.
O que esta investigação veio precisar, a partir de inquéritos feitos a 56 divorciados, é que persistem assimetrias de género quanto aos motivos para o divórcio. Quando a pergunta foi dirigida às mulheres, 44% apontaram a insatisfação face à comunicação no casal como principal motivo. Só depois vieram razões como a ausência de amor (32%) e infidelidade (26,5%). No caso deles, a maior percentagem dos homens apontou a ausência de amor como explicação para o divórcio (32%) e apenas 18% se referiram aos problemas de comunicação.
A violência física configura outro dado contrastante: 21% das mulheres referem a sua existência como gatilho para a ruptura, nos homens 4,5%. Nenhuma mulher apontou o divórcio como modo de legalizar outra relação já existente. Homens, sim: 9,5%. Outro aspecto exclusivamente referenciado pelos homens foi a ideia de que o divórcio redundou em perdas económicas e financeiras (17%).
Mais diferenças de género: a falta de independência foi motivo para a ruptura conjugal para 15% das inquiridas, enquanto entre eles o problema nem sequer se pôs. "Isso ajuda a explicar, a par da guarda dos filhos, por que é que há muito mais mulheres a rejeitar a ideia de um novo casamento", adianta Ana Reis Jorge.
À margem das diferenças, o divórcio saldou-se como "um alívio pessoal". Disseram-no 53% das mulheres e 48% dos homens. A ideia do divórcio como uma forma de resolver questões inultrapassáveis foi defendida por 16% das mulheres e 29% dos homens.