Facadas no Estado de direito
Perdido o enriquecimento ilícito, o Governo decide fazer isto: a PSP e o Fisco vão passar a identificar e a controlar todos os carros de valor igual ou superior a 50 mil euros
Já ouvimos a Ministra da Justiça (MJ) comentar um caso concreto entregue à Justiça afirmando, convicta, que é possível extraditar cidadãos nacionais. Disse-o e insistiu na inovadora tese ignorando os requisitos estabelecidos no artigo 33º da Constituição (CRP). Já ouvimos a MJ afirmar que seria catastrófico se o Tribunal Constitucional (TC) declarasse a inconstitucionalidade do corte dos subsídios e das pensões. O país ficou a saber que a MJ pressiona Órgãos de Soberania à custa do atropelo do princípio da separação de poderes. Já ouvimos, durante meses, uma MJ desistente perante determinados crimes a defender o crime mais pidesco que se propôs na AR – “o enriquecimento ilícito”: a democracia funcionou e o TC pronunciou-se pela evidente inconstitucionalidade da coisa.
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Já ouvimos a Ministra da Justiça (MJ) comentar um caso concreto entregue à Justiça afirmando, convicta, que é possível extraditar cidadãos nacionais. Disse-o e insistiu na inovadora tese ignorando os requisitos estabelecidos no artigo 33º da Constituição (CRP). Já ouvimos a MJ afirmar que seria catastrófico se o Tribunal Constitucional (TC) declarasse a inconstitucionalidade do corte dos subsídios e das pensões. O país ficou a saber que a MJ pressiona Órgãos de Soberania à custa do atropelo do princípio da separação de poderes. Já ouvimos, durante meses, uma MJ desistente perante determinados crimes a defender o crime mais pidesco que se propôs na AR – “o enriquecimento ilícito”: a democracia funcionou e o TC pronunciou-se pela evidente inconstitucionalidade da coisa.
O Governo, no entanto, não desiste de uma caminhada ao arrepio da tradição de respeito pela segurança jurídica, pela tutela das expetativas, pela proteção dos direitos adquiridos, pela excecionalidade da retroatividade da lei. Tudo princípios de boa governação, princípios que transmitem ao cidadão a certeza de que ele é o valor maior. Hoje, dos cortes à lei laboral e à crença no mercado como responsável pela solução dos produtos de imigração – os desempregados –, resulta uma triste consciência pessoal de que cada um merece menos estabilidade do que um contrato com a Lusoponte em situação de duplo pagamento.
A cruzada por um experimentalismo ideológico à luz de um apagão da inspiração constitucional revela-se agora no fortalecimento de um monstro autoritário dentro do Estado: o Fisco.
Perdido o enriquecimento ilícito, o Governo decide fazer isto: a PSP e o Fisco vão passar a identificar e a controlar todos os carros de valor igual ou superior a 50 mil euros. A polícia e a autoridade tributária vão colaborar para detetar eventuais sinais exteriores de riqueza dos contribuintes que não se reflitam na declaração de IRS.
Esse controlo vai ser feito através da comparação entre o valor de aquisição do veículo e as declarações fiscais de IRS dos respetivos proprietários. Se forem detetadas diferenças, as Finanças procedem a correções adicionais à matéria coletável e ao imposto a pagar. As equipas da PSP têm nas operações STOP um elemento da autoridade tributária para verificar se o condutor tem dívidas ao fisco. Se tiver o carro é apreendido. Chama-se a isto arbitrariedade. Os inocentes terão de provar que nada há de errado na propriedade do carro (inversão do ónus da prova) mas com o carro antecipadamente penhorado. Quem tem uma dívida nas finanças mas está a contestá-la judicialmente é punido antes do desfecho do processo. Mas não por um Juiz. E há, claro, quem não consiga reagir. Um bom conselho é não aceitarem carros oferecidos, ou se os puderem comprar e mudarem de rendimentos no ano seguinte, atirarem-nos de uma ravina. E já agora: é assim que apanham tubarões?
Ando com vergonha do estado suspensivo de uma legalidade em que cresci graças a tantos.
Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico