Ser actor em tempos de crise, uma “profissão de manutenção”
O que se recebe vai dando para pagar dívidas. Juntar? Nada. Vive-se um dia de cada vez. Eis a vida de António Alves Vieira, um actor de 24 anos a tentar sobreviver na crise
Se houve uma coisa que a crise trouxe foi uma “falta de esperança generalizada”. António Alves Vieira nota-o, agora que os amigos e conhecidos já não o “culpabilizam” por uma má escolha de curso. Eles sabem que não há cursos imaculados e que a precariedade afecta todos. Ainda que em graus diferentes.
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Se houve uma coisa que a crise trouxe foi uma “falta de esperança generalizada”. António Alves Vieira nota-o, agora que os amigos e conhecidos já não o “culpabilizam” por uma má escolha de curso. Eles sabem que não há cursos imaculados e que a precariedade afecta todos. Ainda que em graus diferentes.
Ser actor é uma “profissão de manutenção”. Ganhar para investir, investir para poder trabalhar, trabalhar um dia de cada vez, sem garantias. Acumulam-se dívidas e o que se recebe vai servindo para as saldar. “Nunca dá para juntar, dá para viver - e mal.”
O jovem marcoense mudou-se para o Porto aos 15 anos. Estudou na Academia Contemporânea do Espectáculo, depois foi para Paris fazer um curso profissional na mesma área. Percorreu feiras medievais em Espanha e no sul de França. Depois retornou ao Porto.
"Nível de saturação"
António Alves Vieira admite que está a chegar a um “nível de saturação”. Até há poucos dias esteve em cena com o monólogo “Relicário”, uma peça em que ele próprio investiu. Agora voltou a incerteza – anda em busca de quem queira comprar o espectáculo.
O que se está a fazer é “precarizar e estrangular a possibilidade de os novos criadores criarem e de novas estruturas nascerem”, avalia o jovem de 24 anos. Quem é novo é “engolido por quem está no sistema” – a maior parte dos subsídios são para quem tem pelo menos dois ou três anos de trabalho – e quem está no sistema está a começar a não conseguir respirar.
Por outro lado, “há cada vez mais cursos de teatro e cada vez menos mercado”, acusa. Erros atrás de erros: “Outra aberração foi a abolição de Ministério da Cultura. A cultura é um direito e a abolição trouxe consigo a permissão de banalizar a cultura.”
Até Janeiro dava aulas – em projectos curriculares e centros de emprego – um complemento bem-vindo, ainda que mal pago. Já dividiu casa com amigos, já arrendou quarto, agora divide casa com o irmão.
Para António, Portugal transformou-se num país onde “não só há um grande desinvestimento na cultura como há um desrespeito total pelo direito social que é a cultura e pelos artistas”. A satisfação que devia ter a trabalhar é engolida pela "pressão" de não saber o dia de amanhã. Por isso não consegue prever onde estará daqui a cinco anos - para já, apesar do cansaço, está ainda numa fase de “continuar a tentar”.