Egípcios vão assistir em directo e em alvoroço ao veredicto de Mubarak

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Abu-Ghenima Abul-Oeyoun, 49 anos, perdeu o filho Mohammed, de 20 anos, a 28 de Janeiro de 2011. Era sexta-feira, Dia da Raiva, e Mohammed foi um dos jovens mortos pela polícia na praça Tahrir, do Cairo. "Os advogados dizem que ele vai ser condenado, mas com a actual situação, e o súbito ressurgimento de [Ahmed] Shafiq, não acredito", disse Abul-Oeyoun ao jornal Al-Ahram. No Egipto, nunca nada é certo até ter acontecido, mas o anúncio do veredicto de Hosni Mubarak está marcado para hoje. Entre outros crimes, o velho "faraó" pode ser condenado pela morte de Mohammed.

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Abu-Ghenima Abul-Oeyoun, 49 anos, perdeu o filho Mohammed, de 20 anos, a 28 de Janeiro de 2011. Era sexta-feira, Dia da Raiva, e Mohammed foi um dos jovens mortos pela polícia na praça Tahrir, do Cairo. "Os advogados dizem que ele vai ser condenado, mas com a actual situação, e o súbito ressurgimento de [Ahmed] Shafiq, não acredito", disse Abul-Oeyoun ao jornal Al-Ahram. No Egipto, nunca nada é certo até ter acontecido, mas o anúncio do veredicto de Hosni Mubarak está marcado para hoje. Entre outros crimes, o velho "faraó" pode ser condenado pela morte de Mohammed.

"O veredicto, seja qual for, servirá para enviar uma mensagem forte a qualquer Presidente. O poder executivo está limitado pelo Estado de direito", escreve Joe Stork, director adjunto da Human Rights Watch para o Médio Oriente e Norte de África. "Mubarak é o primeiro ex-chefe de Estado árabe a aparecer num tribunal comum em décadas. Ben Ali da Tunísia foi julgado à revelia [no exílio saudita]; Saddam Hussein do Iraque foi julgado por um tribunal especial", acrescenta Stork, num artigo publicado ontem no site do diário britânico The Guardian.

A importância do julgamento que a imprensa egípcia descreve como "o processo do século" estende-se a toda a região, como acontece com o futuro da transição política do Egipto para a democracia. Mas para os egípcios, este veredicto ganha um peso ainda maior pelo contexto.

Quando o processo começou, serviu para provar que a revolução continuava, seis meses depois da alegria com que milhões celebraram a queda do ditador. No início de Agosto, já era cada vez menos o que unia os egípcios. Na Tahrir, já ninguém gritava "o povo e o Exército são um", como nesses dias de Inverno em que os militares deixaram cair Mubarak para salvar o regime que dominam há seis décadas. Agora, os egípcios estão divididos como nunca.

O anúncio do veredicto de Mubarak está marcado para hoje. Hoje é 2 de Junho, mas é muito mais do que isso. É uma semana e meia depois da primeira volta das eleições presidenciais e duas semanas ao dia antes da segunda volta. Em disputa na ida às urnas de 16 e 17 de Junho surgem dois países, o Egipto de Mubarak e o Egipto de parte da população que ele oprimiu durante as quase três décadas que passou no poder. Ahmed Shafiq, seu ex-ministro da Aviação, primeiro-ministro nas últimas semanas antes do seu afastamento, enfrenta Mohamed Morsi, candidato da Irmandade Muçulmana.

Ontem, a Tahrir voltou a encher-se de gente em protesto contra Shafiq, exigindo que a sua candidatura seja ilegalizada (o Supremo Tribunal nunca chegou a pronunciar-se, enquanto as candidaturas de outros antigos membros do regime de Mubarak foram anuladas). É por isso que Abu-Ghenima Abul-Oeyoun tem medo que Mubarak não seja condenado pela morte do seu filho. Como muitos egípcios, teme estar a assistir a uma contra-revolução.

Absolvição e câmaras

A Human Rights Watch, que teve observadores em tribunal, admite que Mubarak pode ser ilibado, pelo menos das acusações de assassínio. "Para um crime gravado por câmaras e difundido no mundo inteiro, provar que os acusados são culpados de matar os manifestantes foi mais difícil do que se supunha", escreve o diário egípcio Al-Masry al-Youm. Em relação aos outros crimes, de corrupção, os peritos consideram que ficaram provados.

O ditador afastado a 14 de Fevereiro de 2011 pelos militares, depois de 18 dias de protestos populares que levaram milhões à rua, foi julgado por cumplicidade no assassínio de 846 manifestantes pacíficos e tentativa de assassínio de outras centenas em manifestações realizadas de 25 a 31 de Janeiro do ano passado.

Mubarak aguarda o veredicto de outras acusações - tendo em conta as gigantescas medidas de segurança e a logística que implica cada ida do ditador a tribunal, a Justiça decidiu juntar todos os processos. É acusado de ter recebido 4,5 milhões de euros em mansões de Hussein Salem, empresário e seu confidente, em troca do acesso a terrenos para projectos de imobiliário em Sharm El-Sheikh. Para além disso, pode ser considerado culpado de cumplicidade com o ex-ministro do Petróleo, Sameh Fahmy, na autorização dada a outra empresa de Salem para comprar gás natural e exportá-lo a baixo preço para Israel (um negócio que se estima ter custado 500 milhões de euros aos cofres egípcios). Quinze anos é a sentença máxima que o "faraó" enfrenta por corrupção.

Há outros réus. Ao lado de Mubarak, no processo de assassínio, que pode implicar a condenação à morte, são acusados o ex-ministro do Interior, Habib al-Adly, e seis responsáveis do regime. As acusações de suborno e abuso de poder recaem ainda sobre os filhos de Mubarak, Gamaal (que escolhera para sucessor) e Alaa. Estes, por sua vez, enfrentam mais processos de corrupção.

Ahmed Mekki, juiz ouvido pelo Al-Masry al-Youm, sustenta que basta ter ficado provado que Mubarak sabia das mortes e não as travou para ser condenado por assassínio. Os seus advogados defenderam que não estava a par da violência usada contra os manifestantes, mas ainda que isso seja dado como provado, segundo Mekki, o ex-Presidente pode ser condenado a uma sentença mais leve por ter falhado no cumprimento das suas responsabilidades.

A acusação denunciou que as instituições do Estado se recusaram a colaborar e muitos documentos necessários ao processo nunca chegaram a tribunal. E apesar das sessões terem decorrido à porta fechada, sabe-se que quando os generais foram ouvidos, incluindo o marechal Hussein Tantawi, chefe do Conselho Supremo das Forças Armas (líder de facto do Egipto desde Fevereiro do ano passado), se limitaram a dizer que não sabiam responder às questões que lhes foram colocadas.

Está tudo nas mãos do juiz Ahmed Refaat. Anuncie o veredicto ou decida adiá-lo, os egípcios vão voltar a sentar-se nas mesas dos cafés e a olhar para o antigo intocável enquanto o vêem entra na sala do tribunal. Espera-se que chegue de maca e que se sente atrás de grades (dentro de uma espécie de jaula), como aconteceu nas anteriores sessões.

"Se Refaat anunciar um veredicto, é provável que incendeie uma atmosfera política já tensa", escreve Joe Stork. "Quando o veredicto chegar, vai lembrar ao próximo Presidente, quem quer que seja, que o trabalho de julgar os últimos 30 anos ainda agora começou."

"Por favor, acalme-se. As coisas mudaram"

A enfermeira está a falar com uma colega e a mulher do paciente irrita-se com o tom. "Se volta a levantar a voz, corto-lhe a cabeça." Responde a enfermeira: "Não fiz nada de errado para me ameaçar assim". A mulher do paciente, furiosa, dá-lhe uma bofetada; a enfermeira grita e os seguranças do paciente correm a ver o que se passa. "Por favor, acalma-se minha senhora. Não se esqueça que as coisas mudaram."

A senhora é Suzanne Mubarak, mulher do ex-ditador, detido no Centro Médico Internacional do Cairo, numa suite com cinco quartos, sala de conferências, piscina, sauna e jacuzzi. Anexa à suite, uma sala de operações com equipamento de ponta, vazia. As enfermeiras trabalham em equipas de cinco e cumprem turnos de oito horas. Hosni Mubarak ainda não precisou da sala de operações (e, que se saiba, também nunca usou a sauna), mas recebe muitas visitas, lê jornais (os oficiais Al-Ahram e Al-Akhbar) e vê televisão (a estatal e, por vezes, a Al-Arabiya, quando quer saber o que se passa da Síria ou na Líbia).

Até há pouco tempo não se sabia nada sobre a vida de Mubarak atrás das grades. Agora sabe-se o que o jornal independente Al-Watan publicou, citando um colaborador e completando as descrições com fotografias e documentos. O artigo foi publicado em árabe, mas traduzido em inglês para o site da Al-Arabiya

A 20 de Outubro, Mubarak viu Muammar Khadafi morto - "Nesse dia, chorou sem parar." Dias antes, quando militares dispararam contra um protesto copta e mataram 27 pessoas, estranhou "oficiais que matam quando se zangam" e lembrou que "os cristãos sempre foram pacíficos". "De onde é que vieram todos?", perguntou, perante as multidões em fila para votar nas legislativas de Novembro. Recentemente, gozou com os candidatos à sua sucessão (todos menos Ahmed Shafiq) e comentou a certa altura: "Então, foi para isto que os egípcios fizeram uma revolução? Eles nem conseguiam gerir uma banca de cigarros".