O Polícia
“O que é que os palestinianos têm a ver com isto?”, pergunta retoricamente uma personagem de O Polícia. Nada, de facto: a tensão descrita no filme de Nadav Lapid não é entre judeus e muçulmanos, é entre judeus e judeus, uma inquietude desenvolvida, se se pode chamar-lhe assim, no coração social, religioso, ideológico, de Israel. Pode não ser claro o que é que Nadav Lapid quer dizer sobre este Israel partido em extremos (e não é), mas é claro que o que nesse extremismo é específico não há nenhuma incompatibilidade com o que é genérico (quer dizer: também reconhecemos traços da nossa Europa, o dinheiro, ou a atitude perante o dinheiro, a decidir tudo, e a “sociedade”, as “instituições”, a “democracia”, convertidas em mecanismos para defender os que têm dinheiro dos que o não têm).
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“O que é que os palestinianos têm a ver com isto?”, pergunta retoricamente uma personagem de O Polícia. Nada, de facto: a tensão descrita no filme de Nadav Lapid não é entre judeus e muçulmanos, é entre judeus e judeus, uma inquietude desenvolvida, se se pode chamar-lhe assim, no coração social, religioso, ideológico, de Israel. Pode não ser claro o que é que Nadav Lapid quer dizer sobre este Israel partido em extremos (e não é), mas é claro que o que nesse extremismo é específico não há nenhuma incompatibilidade com o que é genérico (quer dizer: também reconhecemos traços da nossa Europa, o dinheiro, ou a atitude perante o dinheiro, a decidir tudo, e a “sociedade”, as “instituições”, a “democracia”, convertidas em mecanismos para defender os que têm dinheiro dos que o não têm).
Mas dizíamos, pode não ser claro, nem excessivamente importante clarificá-lo, o discurso de O Polícia - a enunciação, essa sim, importa: é inesperada, até algo perversa, com uma secura lapidar, quase desumana. Há dois pólos, dois extremos. Primeiro, seguimos uns quantos membros de um corpo policial especializado em luta anti-terrorista. Tropa de elite mas, mais ainda (isto é perverso), “triunfo da vontade”: hiper-masculinização do espaço e dos rituais, companheirismo quase (ou propriamente) homoerótico, e as mulheres ou estão grávidas ou são demasiado novas ou demasiado velhas para engravidarem. Depois, segunda parte, o pólo oposto: um grupo de miúdos que parece saído directamente de um Fassbinder dos anos 70, putativos candidatos a reencarnação dos Bader-Meinhoff, sessões de retórica revolucionária cruel e inflexível, abolição da humanidade em nome da humanidade, e os olhos de uma miúda a conduzirem as operações. Enfim, o inevitável conflito entre uns e outros, de desfecho rápido (a contradizer os planos-sequência que vão dando tempo ao filme), violento (porque a violência é única linguagem comum) e, a bem dizer, previsível. Lemos em vários sítios a “interpretação” da troca de olhares final como sendo um entendimento tácito, uma redescoberta da “humanidade”. Parece-nos o wishful thinking de quem anseia por um happy end no meio da desgraça; talvez o que O Polícia diga, pelo contrário, é que não há happy end nenhum e estamos todos perdidos. Não é conclusão que, olhando em volta, a realidade se esforce por negar. Luís Miguel Oliveira