Há público para a moda e o design

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Exposição "Diz-me do que gostas... dir-te-ei quem és" está no Mude até 10 de Junho Rui Gaudêncio

Com uma localização privilegiada, na Rua Augusta e com vista para o Terreiro do Paço, ideal para captar público estrangeiro mas também nacional, a maior atracção continua a ser a valiosíssima colecção de moda do acervo Francisco Capelo, que nunca tinha sido exposta em Portugal antes da abertura do Mude.

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Com uma localização privilegiada, na Rua Augusta e com vista para o Terreiro do Paço, ideal para captar público estrangeiro mas também nacional, a maior atracção continua a ser a valiosíssima colecção de moda do acervo Francisco Capelo, que nunca tinha sido exposta em Portugal antes da abertura do Mude.

“Ainda há muito trabalho a fazer e muito espólio para mostrar”, diz a directora do Mude, Bárbara Coutinho. Até hoje, é conhecida apenas 35% da colecção, que inclui diferentes tipologias de peças de moda e mobiliário. E o acervo do Museu continua a crescer. “Em três anos já adquirimos 120 novas peças e temos mais 300 à espera de aprovação, necessária, como acontece com qualquer peça que se pretenda incluída no acervo municipal ”, diz.

“Hoje é inegável a polivalência do Mude no conceito museológico em Portugal. Por isso temos um projecto ambicioso e complexo - principalmente nestes tempos de crise - mas a estratégia de dinamização do museu é para manter, apesar de ainda existir algum desconhecimento e vontade em apoiar”. Bárbara Coutinho fala em questões administrativas, de gestão financeira, da criação de novas regras e alterações de funcionamento que são necessárias. “Apesar de este ser o lado menos visível é dos mais importantes para o desenvolvimento”.

No dia do aniversário, 21 de Maio, inauguraram duas exposições, dedicadas ao design de produto. Uma delas é um conjunto de peças representativo dos pioneiros do modernismo, pertencentes à colecção da Fundação Calouste Gulbenkian, e que inclui nomes como Gerrit Rietveld, Marcel Breuer, Corbusier e Alvar Aalto.

“São peças que vêm colmatar uma falha porque não as tínhamos no museu. Como era um núcleo bastante representativo do design dos anos de 1920 e 1930 [não as peças mas sim os desenhos], que estavam em depósito sem qualquer representação, contactámos a Gulbenkian e serão expostas e integradas dentro da nossa colecção permanente e ficam a fazer parte do espólio do Mude enquanto depósito”, explica a directora do Mude.

A outra mostra é de uma colecção privada de um coleccionador inglês, David Usborne, que fez a sua colecção a partir de objectos recolhidos em feiras de rua. São 350 peças, diz a directora do museu, algumas raras e todas adquiridas a baixo custo, o que também faz parte da filosofia da colecção. Vão desde objectos médicos de obstetrícia e dentista até martelos de carne a pinças para gelo. Uma vez expostos ganham “um valor escultórico muito interessante”: “Percebe-se a função e a utilização que tiveram, e ao mesmo tempo são de um rigor e de uma qualidade de desenho absolutamente singulares”, refere Bárbara Coutinho.

Depois de ter exibido 17 exposições temporárias e mais de 80 eventos culturais que vão desde lançamentos de livros a passagens de modelos, estão em andamento algumas obras de melhoramento deste espaço museológico de 14 mil metros quadrados. Desde meados de 2010 que a direcção do Mude está trabalhar com a equipa de arquitectos da Câmara de Lisboa num projecto base, que deverá estar concluído em Outubro.

“O projecto explora a polivalência do edifício, respeitando a identidade do interior, e contempla novos espaços para serem utilizados em iniciativas ligadas ao design e à moda”, explica. Uma loja e livraria, um centro de documentação, uma cafetaria e um restaurante no último piso com vista privilegiada para o rio Tejo são algumas das transformações que vão modernizar o museu. Também estão a estudar a hipótese de criar novos espaços para ateliers educativos e algumas residências para designers. “É um work in progress”, diz Bárbara Coutinho.

Em exibição até 10 de Junho está ainda a exposição “Diz-me do que gostas... dir-te-ei quem és”. Inaugurada a 30 de Março conta uma história da moda de autor em Portugal que começa em 1972, com a abertura da loja A Maçã, de Ana Salazar, em Lisboa. Depois, há a consequência desse gesto inicial, com a multiplicação de nomes a começar a trabalhar na área nos últimos 20 anos.

Com 60 peças de vestuário, acessórios e outros objectos que povoam o universo criativo dos 22 criadores representados, esta exposição poderá vir a ser o início da criação efectiva de uma colecção de moda portuguesa contemporânea, enriquecendo o espólio do museu que, por enquanto, tem principalmente peças de criadores internacionais, sendo maioritariamente constituído pelas cerca de 2500 peças da colecção de moda e design de Francisco Capelo, adquirida pela Câmara Municipal de Lisboa em Dezembro de 2002.

Já sabemos, mas Bárbara Coutinho, a directora do Mude e comissária desta exposição, reitera-o: “Não há uma cultura de moda em Portugal. O público continua de costas viradas para esta área e com esta exposição vai ter oportunidade para ver a diversidade de estilos que os criadores dão à moda portuguesa”.

“Diz-me do que gostas... dir-te-ei quem és” acaba por marcar um momento de viragem na vida do museu, que, inaugurado em 2009, ficará já em Setembro - e não em Janeiro de 2013, como inicialmente previsto -, juntamente com os restantes museu municipais, sob tutela da EGEAC, a empresa municipal gestora de equipamentos culturais de Lisboa: “Estamos num momento de viragem, com há situações a ser debatidas a vários níveis. Por exemplo, o facto de o Mude não cobrar entradas.”

Tal como, por exemplo, o Museu Berardo, o Mude tem-se mantido desde a inauguração em sistema de acesso gratuito. Bárbara Coutinho, explica que essa opção foi tomada devido às “deficiências em termos de infraestruturas” do edifício da Rua Augusta onde o museu funciona, sem elevadores ou acessos para deficientes, com casas de banho a não funcionar em pleno. Contudo, sempre esteve previsto que quando o museu estivesse mais estruturado as entradas passariam a ser cobradas, como “forma de valorizar o que o público vem ver”. No que diz respeito a números de visitantes em 2011 e comparando - reconhecendo alguma injustiça - o Mude recebeu 280 mil visitantes e o Museu Berardo 652.447 mil. “Há mais público para a moda e o design”, diz Bárbara Coutinho. Que o digam as 42 mil pessoas que visitaram o Mude nos três primeiros meses de 2012.