Pontos Negros onde queriam estar
Jónatas Pires está sentado na esplanada. Início de tarde em Lisboa e o vento sopra mais do que devia. Óculos escuros à Dylan, o cabelo agitado pelas rajadas. Jónatas, um dos vocalistas, guitarristas e compositores dos Pontos Negros, é por estes dias um homem calmo e descontraído, de bem com a sua pele e na pele d'Os Pontos Negros que lançaram recentemente Soba Lobi, o seu terceiro álbum. Em 2008, quando saiu Magnífico Material Inútil, destacavam-se entre a nova vaga da música popular urbana portuguesa que punha vida, locais e expressões cá da terra em canções sintonizadas com o que o rock dizia mundo fora.
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Jónatas Pires está sentado na esplanada. Início de tarde em Lisboa e o vento sopra mais do que devia. Óculos escuros à Dylan, o cabelo agitado pelas rajadas. Jónatas, um dos vocalistas, guitarristas e compositores dos Pontos Negros, é por estes dias um homem calmo e descontraído, de bem com a sua pele e na pele d'Os Pontos Negros que lançaram recentemente Soba Lobi, o seu terceiro álbum. Em 2008, quando saiu Magnífico Material Inútil, destacavam-se entre a nova vaga da música popular urbana portuguesa que punha vida, locais e expressões cá da terra em canções sintonizadas com o que o rock dizia mundo fora.
Chamaram-lhes então uma e outra vez "Strokes portugueses" e eles fazem questão de cantar agora, e são as primeiras palavras que ouvimos no álbum, "Eu não me chamo [Julian] Casablancas [vocalista dos Strokes], eu não sou o Jack White [ex-White Stripes]". Fazem-no porque podem, porque Soba Lobi é um álbum que lhes saiu de dentro, porque são pessoal com dose recomendável de lata (e ainda bem).
Dois anos depois de Magnífico Material Inútil, partiram para Pequeno-Almoço Continental com a vontade e a confiança para fazer de cada canção um hino entoado por pessoal de Norte a Sul. Com a esperança de que esse álbum pudesse servir de modelo a gerações mais novas (que desatariam a pegar em guitarras e a fazer bandas de bom rock no bom Portugal). O resultado não foi o esperado e Pequeno-Almoço Continental tornou-se o difícil segundo álbum dos Pontos Negros.
Tendo em conta aquele percurso, e segundo a tradição da pop, Soba Lobi, o novo álbum da banda de Queluz, deveria ser o do "vai ou racha". Jónatas explica que não. Soba Lobi é o passo necessário depois do passo em falso. Passo em grande - foi gravado numa maratona de três dias nos míticos estúdios de Abbey Road. Passo, simplesmente. "Queremos continuar a fazer nossos discos, quer tenhamos 50 ou 50 mil pessoas a ouvi-los", diz. "Com o Magnífico Material Inútil estivemos lá em cima e foi quase um living the dream. Com o Pequeno-Almoço Continental foi complicado encontrar o som que tínhamos imaginado e o disco não foi tão bem recebido quanto estávamos à espera. Tivemos menos concertos, o mercado retraiu-se... Foi a descer". E agora? "Agora não sabemos muito bem onde estamos. Estamos ali no meio".
Estão onde deviam estar, onde a vida os conduziu. Sobressai a energia rock dos primórdios e o lado efusivo de melodias pop bem sacadas. Entram em cena histórias e personagens que reflectem um certo negrume, mas que alcançam redenção. "A questão da morte [palavra que ouvimos várias vezes ao longo do disco] está relacionada com o facto de uma pessoa muito próxima ter morrido, o que me obrigou a lidar com experiências que nunca tinha tido antes. A experiência do luto, o sentimento de perda muito forte. Como lidamos com coisas que nos afectam a todos de uma forma tão intensa como a morte, a desilusão, a frustração?" Este é um ponto importante para compreender os Pontos Negros de Soba Lobi - a expressão, já agora, não quer dizer nada: era o que Filipe Sousa, guitarrista, vocalista e compositor cantava quando ainda não tinha letra para Eu + eu = ninguém, e eles, para quem o humor é importante, acharam que era misteriosa e evocativa o suficiente para utilizar como título (principalmente depois de o teclista Silas Ferreira, lhe ter desenhado a capa étnico-cósmica).
A catedral Abbey RoadOs Pontos Negros são banda versada na história da música popular urbana. Conhecedores à séria. Para ilustrar como é recorrente na história do rock uma banda dar os primeiros passos em paralelo aos seus heróis, Jónatas recordará a história de como os Ramones ficaram furiosos quando os Clash do primeiro álbum lhes "roubaram" a sonoridade e começaram a vender em catadupa (enquanto Joey e companhia contavam tostões em Nova Iorque). E para falar das músicas que nasceram para Soba Lobi, Jónatas recorre a ajuda preciosa. Bruce Springsteen, o Boss. "Os discos do Springsteen falam de vidas, falam de pessoas, criam personagens. O Born To Run é intenso e épico e tem aquela atitude do ‘aconteça o que acontecer, vamos conseguir'. O Darkness At The Edge Of Town é mais pessimista. São os sonhos da juventude que não se concretizaram, são chegar aos 30 e estar ainda onde não se esperava estar".
Soba Lobi não tem working class heroes americanos ou auto-estradas sem fim à vista. Tem os pilotos de Fórmula 1 Ayrton Senna e Michael Schumacher como representantes de duas atitude perante a vida - o primeiro romântico, "maior que a vida", o segundo um "campeão burocrático" que nunca "despertará a mesma devoção de Senna". Tem Gabriela como romancear, não isento de tragédia, da "vida dura no subúrbio". Tem em Prolongamos o sonho uma frustração portuguesa e geracional: "a de ter a vida e o futuro em pausa". E tem, musicalmente, o ataque rock'n'roll de guitarras ao alto e bateria "musculada" matizado pela agilidade pop que sublima o tom das canções - "não há uma única minimamente romântica".
Soba Lobi nasceu num sítio perfeito para os Pontos Negros. Nasceu onde eles menos esperavam. Abbey Road, a dos Beatles, dos Pink Floyd e de outras dezenas de nomes de relevo, a "catedral da música pop no mundo inteiro", como define Jónatas. O convite surgiu inesperadamente, ideia de Henrique Amaro, director artístico da Optimus Discos, a responsável pela edição de Soba Lobi. O radialista teve a convicção de que, em três dias, os Pontos Negros sairiam dali com um álbum.
Jónatas Pires, Filipe Sousa, Silas Ferreira e David Pires, baterista e irmão de Jónatas, partiram com uma pequena equipa para Inglaterra. Viveram paredes meias entre o deslumbramento - o simples atravessar dos portões, Paul McCartney a gravar no estúdio ao lado e aquele outro onde grava habitualmente Danny Elfman - e a disciplina de quem tinha uma missão a cumprir. Três dias, 12 horas por dia. Condições como nunca antes e a pressão ("benéfica") de que ter de fazer as coisas acontecerem.
Aconteceram. Ouvimo-lo agora. Soba Lobi. Os Pontos Negros como os queríamos ouvir novamente.