Cru, a revista rasca e vadia está viva e dá pontapés

O P3 apanhou a Cru e o seu editor, Mr. Esgar, à saída da gráfica. O número 34 tem bolinha no canto superior direito muito por culpa de Valter Hugo Mãe, o argumentista de banda desenhada

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“Por vezes as raparigas estragam as amizades entre os rapazes”. O texto de Valter Hugo Mãe e os esboços de Esgar Acelerado estiveram cinco anos esquecidos num caderno. A mistura explosiva vê finalmente a luz do dia na Cru - Revista Rasca e Vadia, inactiva desde 1999.

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“Por vezes as raparigas estragam as amizades entre os rapazes”. O texto de Valter Hugo Mãe e os esboços de Esgar Acelerado estiveram cinco anos esquecidos num caderno. A mistura explosiva vê finalmente a luz do dia na Cru - Revista Rasca e Vadia, inactiva desde 1999.

São quatro páginas com uma bolinha — correcção: uma grande bola — no canto superior direito que assinalam a estreia absoluta de Valter Hugo Mãe como argumentista de banda desenhada e o regresso como desenhador de Mr. Esgar, ele que assina a edição do número 34 da Cru, uma “soberba revista” que se orgulha de quebrar todas as regras.

O número de infracções é infinito. O papel da Cru foi conseguido através do abate clandestino de árvores da Amazónia, as reuniões de trabalho terminaram invariavelmente com consumo excessivo de posta à mirandesa e vinho tinto do Douro e o orçamento para a edição foi conseguido numa mesa de póquer num casino chinês na zona industrial do Mindelo. Para além disso, a Cru não respeita nenhum livro de estilo e tem raiva de quem já adoptou o novo acordo ortográfico. “Desejamos uma boa estadia no inferno a todos quanto passaram a escrever arquitecto, actual e espectador sem o ‘c’”.

Então a Cru não estava morta e enterrada? “No outro dia comecei a remexer coisas, encontrei em capas perdidas alguns originais da revista, fui digitalizando aquilo e coloquei alguns números num arquivo online. Nós brincávamos muito com o Cavaco, com o Paulo Portas, com o Marcelo Rebelo de Sousa e apercebi-me que passados 20 anos os tipos ainda são os mesmos. Coisas que nós escrevíamos na altura, ainda fazem sentido agora. Aquilo não mudou nada”, explicou ao P3 Esgar Acelerado. “Num lampejo pensei... se os tipos continuam aqui, a Cru também tem que continuar. Esse foi o primeiro baque”.

Esgar Acelerado, que segundo o Facebook nasceu em 1908, só teve que sacudir o pó a um projecto dos seus tempos de faculdade (de Belas Artes) que na altura serviu para “experimentar as coisas”. “E o mais simples nessa altura era um fanzine. Tinha lá a máquina de escrever do meu pai e era tudo feito com métodos tradicionais de cortar as coisas e colar, com letras de decalcar, fotocópias, tudo muito artesanal”.

"Como arroz com atum"

Este laboratório sobreviveu até 1999 — mais ou menos o momento em que Esgar começou a concentrar energias na Mondo Bizarre — e foi reabilitado em 2012, com festa de lançamento desta edição de 300 exemplares na sexta-feira, dia 25, no V5, rua Mártires da Liberdade, no Porto.

“Comecei a convidar pessoas e contactei antigos colaboradores, alguns já casados e com filhos. E fui vendo coisas de pessoas novas, com vinte e poucos anos, que estão a fazer coisas que eu gosto. Arranjei um orçamento tentador e disse ‘que se dane, durante dois meses como arroz com atum e faço isto mesmo em gráfica a sério’ E foi isso”.

Para além de, “por vezes as raparigas estragam as amizades entre os rapazes”, esta Cru é suficientemente espaçosa para os vícios de Johnny Ryan, para o “Novo Acordo Ortográfico” segundo Wasted Rita (que nesta edição também ilustra “Tratado Semiótico do Pirilau Estrangeiro”), para a verdadeira história de “Zakarella, Bela e Perigosa”, de Jorge Silva, para os conselhos de Zita Carícias, para o “Cantinho Sentimental”, de Valquíria Aragão (ilustração de Mariana, a Miserável), para a rúbrica “Filmes que o Tempo Esqueceu”, de Amílcar Macieira, e para outros anónimos cobardes.

O número 34 é tão interventivo como a Cru do passado? “Nem sequer tem assim tanto conteúdo político. É preciso ter algum desconforto para fazer aquilo de uma forma rasca e interventiva, mas eu também não queria politizar demais”, responde o editor de uma revista de “cultura marginal” que não pretende estar nas bancas. “Não é a Playboy”.

“Assim, aqui estão estas páginas de desenhos e palavras aguçadas, capazes de provocar mal estar... por isso consciência.” CRU número 3 (1992)

“Daqui jorram as expressões mais orgânicas de uma dúzia de vadios que não se sabem nem podem conter” CRU número 5 (1993)