Taur Matan Ruak: "Com pobreza não há arma que garanta a segurança"

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Diz que os heróis já foram homenageados e que agora Timor não tem “tempo para olhar para trás”. Critica os governantes por não terem envolvido os timorenses nas suas decisões, especialmente os que vivem nas zonas rurais, que considera estarem “totalmente esquecidos”.

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Diz que os heróis já foram homenageados e que agora Timor não tem “tempo para olhar para trás”. Critica os governantes por não terem envolvido os timorenses nas suas decisões, especialmente os que vivem nas zonas rurais, que considera estarem “totalmente esquecidos”.

Na entrevista ao PÚBLICO na sua casa, situada no topo de uma colina de Díli, com uma vista extraordinária para o mar e para a cidade, o quinto presidente de Timor-Leste desde a declaração unilateral da independência em 1975, diz que outra grande mudança a realizar no país é nas mentalidades. “As vezes as pessoas pensam que o estado resolve tudo e isso não é verdade. Os cidadãos têm de se envolver mais.”

Não quer perder tempo com a polémica sobre se o português deve ou não ser língua oficial de Timor, assegurando que a decisão é política e que a língua veio para ficar.

Na única ocasião em que olha para o seu passado considera “um milagre” ter chegado onde chegou. “Não vejo uma história como a que eu passei em nenhuma parte do mundo.”

Enquanto presidente da República vai manter o nome de guerrilheiro, Taur Matan Ruak (dois olhos atentos, em português), ou vai usar o nome de baptismo, José Maria Vasconcelos? Oficialmente será Taur Matan Ruak. José Maria Vasconcelos é mais na certidão de baptismo.

Dez anos depois da restauração da independência que retrato faz do país?

Timor-Leste está no bom caminho. Tem futuro. Se nos compararmos com outros países pequenos, como, por exemplo, a Guiné-Bissau, que é da nossa família, Timor está em melhores condições.


No programa da sua candidatura a presidente, no que chamou a sua visão para o país, afirmava: “ao olhar à volta, não vejo nem sinto o engajamento da população nos projectos, na acção, na gestão e na configuração do nosso futuro colectivo. (…) Descurámos o envolvimento e a responsabilidade dos nossos cidadãos”. Os timorenses têm sido esquecidos por quem governa?

Em boa parte. Se formos ver bem, nos últimos dez anos o desenvolvimento deu-se aqui, em Díli. Nas zonas rurais os timorenses estão totalmente esquecidos. Em todos os aspectos. No projecto que apresentei delineei aquilo que é a situação de Timor em termos de governação, de organização do Estado.


Qual é a situação mais grave?

A pobreza, miséria e o desemprego.


Para quem chega a Díli dez anos depois parece que nada foi feito para combater a pobreza.

Fora de Díli é muito pior.


O combate à pobreza foi sempre apresentado como primeira prioridade de todos os chefes de Governo e presidentes da República que desde 2002 governam o país. O que falhou?

Nos últimos dez anos a grande preocupação foi para a organização do Estado, do Governo central do país. Os governos distritais e subdistritais são incipientes. O que devemos fazer agora é trabalhar muito mais para manter a presença do Estado e, a partir daí, passar a desenvolver e a infraestruturar o país a favor do povo. Reparar estradas, portos aeroportos o que pode até contribuir para o desenvolvimento do sector privado e criar emprego. Sem fazer isso é difícil.


As pessoas em Díli e fora da capital dizem não saber para onde está a ir o dinheiro do petróleo e gás natural…

Compreendo perfeitamente. O desemprego e a pobreza são os grandes problemas. Enquanto houver desemprego e pobreza, claro que as pessoas vão continuar a sentir essas dificuldades. O importante é desenvolver o país e isso passa por duas grandes áreas. Uma é combater a dependência externa que é excessiva. Outra é diversificar a nossa economia. A nossa economia está dependente do petróleo.


E como se vai diversificar a economia de um país que não produz quase nada?

Tem de se apostar no sector produtivo. No sector primário, pescas e agricultura; no sector secundário, que, no fundo é a indústria e nos serviços, turismo e outros que dêem emprego às pessoas. Sem ser assim dificilmente Timor pode ir para a frente.


Na sua visão para Timor dizia que os timorenses lhe pediram três coisas: prosperidade, transição geracional e grandes mudanças. Que grandes mudanças são estas?

A grande mudança é na mentalidade. As pessoas têm de começar a trabalhar. Sentir que não se consegue alcançar nada sem trabalho duro, sem empenhamento, sem persistência, sem luta. A nossa experiência de 24 anos na luta pela independência mostrou isso. Nada cai do céu, tudo é produto de muito sacrifício, de muito trabalho. O envolvimento dos cidadãos no desenvolvimento do país é fundamental. As vezes as pessoas pensam que o estado resolve tudo e isso não é verdade. Os cidadãos tem de se envolver mais, trabalhar duro, para provocar mudanças na sua própria vida e na vida do país.


Quando refere a transição geracional quer dizer que está na altura dos homens que fizeram a luta pela independência e que têm rodado no poder desde 2002 darem lugar aos mais novos?

Essa transição é natural. Eu sou da geração de 50. Os fundadores da nossa nação são da geração de 40, como nosso presidente Ramos-Horta, o primeiro-ministro Xanana Gusmão e Mari Alkatiri [ex-primeiro ministro e secretário-geral da Fretilin]. Pouco a pouco estas gerações vão dar lugar a gerações mais novas.


Timor tem já uma nova geração preparada para governar o país?

Se olharmos para o actual governo a maioria é jovens. O importante é começar a envolver estes jovens muito mais na vida política do país para que sintam que é um dever e uma obrigação trabalhar para Timor.


Uma das questões sempre presente nos discursos de todos os presidentes e chefes de Governo foi o do combate à corrupção. Em 2011 a Transparência Internacional considerou Timor como um país de alto risco. Um inquérito do Governo levado a cabo em Timor revelou que os cidadãos revelam grandes desconfianças nas instituições do estado. Que percepção tem deste fenómeno em Timor?

Devemos fazer duas coisas. Uma é melhorar a gestão da governação do país. Outra é combater a corrupção e sobretudo investigar os sinais exteriores de riqueza.


Já se notam esses sinais exteriores de riqueza suspeitos em Timor?

Há poucos países do mundo que levam os seus ministros a tribunal enquanto estão ainda no activo.


Refere-se à ministra da Justiça, Lúcia Lobato, que foi obrigada a afastar-se do cargo e vai ser julgada por suspeita do crime de corrupção, abuso de poder e falsificação de documentos.

Sim. O que acontece em alguns países é que só julgam algumas pessoas depois de cumprirem os mandatos. No nosso caso, o processo surgiu a meio do mandato. Isto é um bom sinal.


Qual é o seu primeiro objectivo enquanto Presidente da República de Timor-Leste?

Trabalhar para paz e para o bem-estar do nosso povo. A segurança e o bem-estar são decisivos para Timor.


Como avalia o estado das relações de Timor com os seus vizinhos Austrália e Indonésia?

São boas. Em apenas dez anos após um conflito grave com um seu vizinho Timor conseguiu ter boas relações com a Indonésia. Pouco países do mundo conseguem fazer isso e Timor é elogiado por isso mesmo. Nem os Estados Unidos conseguiram em dez anos recuperar a relação com o Vietname. Agora é necessário elevar a relação a um patamar acima. Passar de vizinhos a aliados. Estou muito decidido a trabalhar para isso e para resolver os problemas residuais que ainda temos. Quer entre Timor-Leste e a Indonésia e entre Timor e a Austrália.


E que papel pode desempenhar ainda Portugal no futuro de Timor?

Como chegou Portugal a Timor? O que levou Portugal a chegar a sítios tão longínquos como Timor e Macau? O comércio. No meu ponto de vista, Portugal deveria repensar o seu papel no comércio na região a tornar Timor numa plataforma de projecção na região. Isso seria óptimo para Portugal e para Timor. Passar do nível político e cultural para um nível comercial.


Até porque Portugal e Timor têm uma língua comum, mas, na verdade dez anos de ensino em Português em Timor não chegaram para colocar a população a falar a língua. Nos lares de Timor não se fala português.

Comparando com os últimos dez, treze anos há um grande avanço, mas não chega e é preciso investir muito mais. E tem de começar pelo esforço colectivo da comunidade. Deve haver também um esforço coordenado entre os países e não apenas de Portugal. Deve haver solidariedade de outros países nesta matéria.


A verdade é que continuam a surgir polémicas em Timor sobre o português. Teses que defendem que o português não devia ser a língua oficial…

O que fazemos é comentar muito sobre o comentário dos outros. Às vezes perdemos tempo com isso. A colocar em causa, em dúvida, aquilo que é uma opção política. Perdemos tempo nisso. Vários presidentes já disseram que o português veio para ficar. O português veio para ficar. É parte da nossa identidade. Estranho era escolher o indonésio o inglês dos australianos. E mesmo assim ainda há pessoas que continuam a questionar se vale a pena ter o português como língua oficial. Desculpem lá… não percamos tempo. Repito, o português é uma opção política e faz parte da nossa identidade.


Um dos pontos em destaque na sua Visão para o País é a segurança do Estado, que em 2006, chegou a estar em causa com o golpe que culminou com o atentado que quase tirava a vida ao então primeiro-ministro Ramos-Horta. A situação está hoje normalizada em Timor-Leste?

Esta melhor. Está melhor. Mas a segurança que me preocupa não é apenas a que envolve armas. Nenhum país do mundo consegue impor segurança com recurso às forças armadas e à polícia se não houver desenvolvimento, se as pessoas não tiverem emprego, se a pobreza não for combatida. Não me preocupo com a segurança interna, preocupo-me com a pobreza. As armas agora são a garantia do bem-estar do povo. Com pobreza não há arma que garanta a segurança. A crise de 2006 partiu de um descontentamento popular, não por os militares e os polícias terem enlouquecido e resolverem começar a matar-se.


No final deste ano as Nações Unidas colocam um ponto final na sua missão em Timor. Que avaliação faz das diversas missões da ONU no país?

Foi um caso de sucesso, único na história das Nações Unidas. A comunidade internacional e o povo de Timor estão de parabéns.


Preocupa-o de alguma forma a saída das Nações Unidas?

Não. Até é melhor. É tempo dos timorenses testarem as suas próprias capacidades sem dependência.


Tem 56 anos, nasceu no distrito de Baguia, no então longínquo distrito de Baucau, mas veio ainda criança para Díli. Que memórias guarda da sua infância e adolescência?

Foi um milagre chegar onde cheguei. Para mim é milagre, porque não vejo uma história como a que eu passei em nenhuma parte do mundo. Tenho de agradecer a Deus e àqueles que me ajudaram ao longo da vida ao longo dos 36 anos em que servi o meu país.


Já estava em Díli quando em Dezembro de 1975 a Indonésia invadiu Timor?

Sim.


E nesse dia partiu logo para as montanhas?

Quase logo a seguir.


Imagino que esses anos de luta, os muitos sacrifícios que passou se tornem mais vivos na sua memória no dia 20 à meia-noite tomar posse como presidente da República Democrática de Timor-Leste…

Agora é tempo de pensar no futuro e não de olhar para trás. Há dez anos, quando restaurámos a nossa independência lembrei aqueles que deram o seu melhor pelo nosso país. Os que morreram ao longo dos 24 anos da luta. Os que, como nós, queriam viver até ao fim e morreram deixando órfãos e viúvas, os mutilados. Dez anos depois temos de olhar para a frente e mostrar ao nosso povo que valeu a pena ser independente. É preciso olhar para o futuro porque não temos tempo para olhar para trás. A luta continua, agora contra a pobreza e temos de ser ainda mais intransigentes. Não se consegue nada sem trabalho duro, sem luta. E nós estamos determinados na nossa luta.


Timor vai ter um presidente com dois olhos atentos, como os que deram o nome ao guerrilheiro?

Sim. Dois olhos atentos a olhar para os outros e para o nosso país.


As reportagens em Timor-Leste são financiadas no âmbito do projecto Público Mais

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