Na Idade do Gelo, o Médio Oriente também ajudou a repovoar a Europa
Sabe-se, porém, que uma parte dos europeus actuais pertencem a linhagens genéticas cujas raízes são directamente originárias do Médio Oriente. Só que, até aqui, pensava-se que isso se devia a migrações daquela região para a Europa contemporâneas do advento da agricultura, há uns 10 mil anos - ou seja, a migrações muito mais recentes do que o pico da última glaciação. E ninguém tinha "levado a sério", escreve a equipa de Maria Pala, da Universidade de Huddersfield, Reino Unido, na edição de Maio da revista American Journal of Human Genetics, a ideia de que a introdução dessas linhagens pudesse ser mais antiga.
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Sabe-se, porém, que uma parte dos europeus actuais pertencem a linhagens genéticas cujas raízes são directamente originárias do Médio Oriente. Só que, até aqui, pensava-se que isso se devia a migrações daquela região para a Europa contemporâneas do advento da agricultura, há uns 10 mil anos - ou seja, a migrações muito mais recentes do que o pico da última glaciação. E ninguém tinha "levado a sério", escreve a equipa de Maria Pala, da Universidade de Huddersfield, Reino Unido, na edição de Maio da revista American Journal of Human Genetics, a ideia de que a introdução dessas linhagens pudesse ser mais antiga.
Agora, uma análise aprofundada de duas dessas linhagens, realizada por uma equipa internacional de cientistas que inclui vários portugueses, revela que a história do repovoamento da Europa, mal o clima recomeçou a aquecer, terá provavelmente tido, já naquela remota altura, um contributo não europeu.
Os cientistas estudaram duas linhagens genéticas, J e T, às quais pertencem 30% dos europeus actuais. Estas linhagens, ou "haplogrupos", são matrilineares: são definidas pelas características genéticas de um pequeno fragmento de ADN que está alojado em estruturas celulares chamadas mitocôndrias (as "baterias" das células) e que é transmitido à descendência exclusivamente pela mãe. Como o ADN das mitocôndrias sofre mutações com a passagem do tempo a um ritmo mais ou menos conhecido, o estudo das diversas linhagens matrilineares actuais - o termo técnico é "haplogrupos mitocondriais" - permite reconstituir geográfica e temporalmente o percurso, ao longo dos milénios, das populações que hoje povoam o planeta e formam uma árvore genealógica da humanidade. Na sua raiz, esta árvore tem a célebre "Eva mitocondrial", a "mãe de todos os humanos actuais, que terá vivido em África há uns 200 mil anos.
Como salientam os cientistas, é um facto que, para além dos refúgios europeus, certas regiões do Médio Oriente continuaram a ser habitadas durante o auge da Idade do Gelo. Por isso, escrevem ainda, "decidimos reavaliar o contributo dos haplogrupos mitocondriais J e T". Sequenciaram integralmente o ADN mitocondrial de centenas de pessoas pertencentes a estas duas linhagens maternas na Europa mediterrânica, Cáucaso e Médio Oriente. E concluem que "os haplogrupos J e T começaram claramente a espalhar-se a partir do Médio Oriente imediatamente depois do pico da última glaciação, há cerca de 19 mil anos, com grandes expansões pela Europa há 12 a 16 mil anos".
Os resultados são importantes, diz ao PÚBLICO Luísa Pereira, geneticista do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto e uma das co-autoras, porque "esclarecem que uma percentagem elevada da diversidade genética materna na Europa, que sempre se associou à migração neolítica, afinal já teria tido uma entrada mais precoce". E também revelam, acrescenta, "que a expansão destes haplogrupos no período neolítico [há uns 10 mil anos] já correspondeu, em grande parte, a expansões locais na Europa e não à vinda [nessa altura] de pessoas do Próximo Oriente".
Resta agora encontrar provas arqueológicas de que as coisas se passaram mesmo assim. Na zona do refúgio ibérico, por exemplo, do qual terão surgido algumas das principais linhagens matrilineares que repovoaram a Europa após o máximo glaciar, "há muitos vestígios de arte rupestre - a nossa Foz Côa, Altamira, Lascaux e muitos outros locais", explica Luísa Pereira. A equipa pensa que estudos na Anatólia, região de transição, "poderão ser a chave para testar o modelo sugerido pelo ADN mitocondrial".