“Beasties”, bestas e outras pessoas que nunca conheci
Os Beastie Boys, o "Eastbound & Down" e ultrapassar preconceitos a ver más "sitcoms"
Nos últimos tempos, dois momentos afectaram-me bastante. O primeiro foi o final do "Eastbound & Down", a brilhante série da HBO sobre Kenny "Fucking" Powers, um jogador de basebol acabado e um dos protagonistas mais detestáveis de sempre. O segundo, há uns dias, foi a morte do MCA dos Beastie Boys. Ambos me comoveram de uma forma que eu não esperava (o segundo mais que o primeiro, obviamente), já que significaram o fim de duas partes importantes da minha vida. Isto apesar de, em teoria, serem apenas americanos ricos que eu nunca conheci e que não me deveriam afectar assim tanto.
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Nos últimos tempos, dois momentos afectaram-me bastante. O primeiro foi o final do "Eastbound & Down", a brilhante série da HBO sobre Kenny "Fucking" Powers, um jogador de basebol acabado e um dos protagonistas mais detestáveis de sempre. O segundo, há uns dias, foi a morte do MCA dos Beastie Boys. Ambos me comoveram de uma forma que eu não esperava (o segundo mais que o primeiro, obviamente), já que significaram o fim de duas partes importantes da minha vida. Isto apesar de, em teoria, serem apenas americanos ricos que eu nunca conheci e que não me deveriam afectar assim tanto.
Deu-me para ler epitáfios do MCA como este do Sasha Frere-Jones, que menciona a evolução dele como pessoa ao longo dos anos. Na altura do "Licensed to III", os Beastie Boys eram uma piada. Na personalidade deles parecia haver, entre muitas outras facetas, uma intenção de gozar com cretinos, e eles acabaram por ser, ao mesmo tempo, abraçados por esses próprios cretinos e confundidos com eles (e, em parte, tornaram-se um pouco como eles). Tiveram de crescer como pessoas e artistas para deixar bem claro que não eram aquelas pessoas misóginas e violentas, e, durante esse processo, ajudaram a fazer do mundo um sítio um bocadinho melhor.
Espero que isso nunca tenha acontecido com o "Eastbound & Down". Kenny Powers é um tipo ridículo, e o coração que a série tinha e o que ele cresceu no fim não validam, de maneira nenhuma, as ideias racistas, misóginas, homofóbicas e tudo o mais dele. Mas topa-se à distância que existem ali camadas, uma tentativa de fazer troça de gente que é mesmo assim. Seja pela maneira como está escrito e filmado ou porque se consegue perceber que há pessoas boas por trás daquilo, qualquer pessoa inteligente percebe que quem faz aquilo não quer glorificar as atitudes dele, só fazer-nos rir. Se há coisa que adoro e que me faz rir, do Will Ferrell ao "Nunca Chove em Filadélfia", é ver pessoas boas a fazer de cretino. O problema é quando cretinos são apenas cretinos misóginos e imbecis, sem camadas e ironia. Um dos meus problemas com muitos cómicos portugueses é mesmo esse. Muitos deles fazem pausas para rir quando dizem a palavra "gay" e chamam "roto" a alguém como se isso tivesse piada e não fosse ultra-infantil e denunciador de estupidez.
Quando eu era miúdo, achava que se pudesse ter acesso a todos os episódios de "Simpsons" e de muitas "sitcoms" (algumas delas bastante más, já que não era uma criança muito exigente) quando quisesse, nunca poderia ficar aborrecido. Muita da minha educação, sentimental e como pessoa, passou pela televisão (o que faz com que me identifique com o Abed do "Community"). Acho que foi aí que aprendi, organicamente, que a homofobia é ridícula (agora que me lembro disso, também deve ter ajudado o Ad-Rock dizer na "Alive", dos Beastie Boys, "homophobics ain't alright"), já que não tinha contacto directo com gays assumidos a não ser ali, e havia muitas atitudes homofóbicas à minha volta. É uma hipótese já estudada (em pdf), a das ligações afectivas que criamos com personagens que não existem poder ajudar-nos a perder preconceitos. E que explica, em parte, por que é que estes dois momentos me causaram tanta mossa.