Poliamor: como é viver uma relação a três ou mais?
Daniel tem uma relação com Sofia há oito anos e meio e com Inês há dois anos e meio. Elas são grandes amigas e os três pertencem à mesma família
Quase se pode dizer que o centro destas relações é a agenda do Google. “Sem ela não saberíamos muito bem como seria”, confessa Sofia C..
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Quase se pode dizer que o centro destas relações é a agenda do Google. “Sem ela não saberíamos muito bem como seria”, confessa Sofia C..
A psicóloga de 26 anos tem, há oito, uma relação com Daniel Cardoso, que, por sua vez, tem também outra companheira — e não “namorada”, uma palavra com “um peso histórico muito grande —, Inês Rôlo, há dois anos e meio, que é, assim, punalua (a explicação segue abaixo) de Sofia. Ufa. Os três são poliamorosos — e o que é que isto significa na prática?
“A gestão do tempo é uma das maiores questões do ‘poli’”, confessa Sofia, daí a importância de um calendário online. “Partilhamos os três as nossas agendas e tentamos incluir o máximo de coisas.” Daniel até tem a vida facilitada — as meninas têm horários praticamente incompatíveis. O futuro passa por uma vida a três, mas, para já, Daniel e Sofia vivem em casa da mãe dele, perto de Benfica, onde Inês passa quase todos os fins-de-semana. E em caso de conflito de horário, o que é que acontece? “É uma questão de compreensão e honestidade.” Já dizia o outro: a falar é que a gente se entende.
Trabalhar a relação a três e a dois
Tudo começou com um livro. Daniel tinha 17 anos quando leu “Um Estranho Numa Terra Estranha”, romance de ficção científica de Robert A. Heinlein que aborda a não-monogamia e a existência de relacionamentos afectivos e sexuais múltiplos. Da leitura partiu para a escrita de um polémico artigo de opinião para o jornal da escola, em que derrubava a monogamia e o casamento. Escusado será dizer que lhe granjeou algumas inimizades.
Um mês depois, conheceu, por intermédio de um professor comum, Sofia C., que também estudava na mesma escola e lera o mesmo livro. “Na primeira conversa real deixou muito claro como eram para ele as relações. Saí de lá assoberbada. Lembro-me de entrar na aula e pensar ‘de certeza que não me está a tentar engatar porque ninguém diz isto na primeira conversa’.”
A relação veio pouco depois com Sofia a aceitar experimentar um namoro nestes moldes. Entretanto, já lá vão oito anos. Foram a primeira relação um do outro. Aprenderam e cresceram juntos, até porque o contacto com a comunidade poliamorosa em Portugal, nomeadamente com o grupo PolyPortugal, só se deu mais tarde.
A chegada de novas pessoas “é sempre diferente”, admite Sofia. Já existiram “fuck buddies”, os típicos amigos coloridos, mas também relações primárias, próximas ao namoro. Há uns anos, por exempo, germinou um triângulo perfeito que durou quase um ano, em que Daniel, Sofia e a outra pessoa, uma rapariga, relacionavam-se entre si. Essa relação acabaria por terminar, conta Sofia. “Olhando para trás, o que vejo é que havia bastante tempo para a relação a três, mas as relações a dois, sobretudo a minha com ela e a do Daniel com ela, ficaram um bocadinho perdidas.”
A amante do meu amante
Inês Rôlo, de 24 anos, surgiu na equação por volta dessa altura. Era amiga comum do terceiro vértice. Licenciada em jornalismo, tal como Daniel, partilhavam a “base teórica” do curso, mas também uma certa “insatisfação pela forma como a sociedade estava organizada”. Assumia-se como lésbica e até hoje continua a interessar-se mais por mulheres. Daniel é “a excepção à regra”.
Às primeiras conversas sobre poliamor, Inês reagiu com precaução — “isso é tudo muito interessante, mas não é para mim.” Até que a relação entre os dois começou a intensificar-se. Pragmático, e apaixonado, Daniel deu-lhe uma série de hipóteses. Inês repete o discurso: “Uma relação de namoro, a que ele preferia, e nem foi preciso dizer que envolveria outras pessoas; uma relação de amizade com sexo; uma relação de amizade que não envolvesse sexo; qualquer outra hipótese que ele não estivesse a ver.”
Tanta informação levou a um “bloqueio mental”, graceja. “Foi um momento extremamente vergonhoso na minha vida.” Ao fim de 15 minutos de silêncio, pediu-lhe uma hora para pensar. Foram ver um filme — “um anime japonês extremamente subversivo” — e no final deu-lhe a resposta. Optava pelo namoro, mas deixou uma adenda: “Eu não sei se poliamor funciona para mim, mas estou disposta a descobrir.”
Hoje, Sofia e Inês não são “simplesmente” amigas. “A Inês pertence à minha família. É a namorada do meu namorado, portanto pertence à minha família”, enfatiza Sofia. “Não é minha inimiga, não é minha concorrente.”
São parecidas, não só fisicamente (Sofia: “A minha sobrinha mais velha chegou a dizer que parecemos gêmeas”), mas também psicologicamente (Inês: “Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és.”). Chegaram a pensar se haveria algo mais, mas não. “Muita gente acha que se a Inês namora com o Daniel, eu tinha, por algum motivo mágico, de namorar com a Inês.” Não é assim. São punaluas, termo que significa “o amor do meu amor, o amante do meu amante”, descreve Inês. E com muito gosto.