O meteorito de Chaves, o asteróide Vesta e a sonda Dawn
Fernando Monteiro morreu em 2005, aos 43 anos. O estudioso de meteoritos e de crateras de impacto tinha classificado o meteorito de Chaves ainda na sua tese de mestrado, no final da década de 1980. É um howardito, um tipo raro de meteoritos, disse então Fernando Monteiro, que foi, aliás, o primeiro português a classificar um meteorito.
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Fernando Monteiro morreu em 2005, aos 43 anos. O estudioso de meteoritos e de crateras de impacto tinha classificado o meteorito de Chaves ainda na sua tese de mestrado, no final da década de 1980. É um howardito, um tipo raro de meteoritos, disse então Fernando Monteiro, que foi, aliás, o primeiro português a classificar um meteorito.
A hipótese de Vesta como a fonte destes meteoritos ganhou força quando, em 1996, o telescópio Hubble descobriu uma enorme cratera no pólo sul do asteróide. Alguma coisa colidiu com o asteróide e arrancou-lhe um valente bocado que deixou uma enorme cicatriz e atirou inúmeros fragmentos para o espaço.
Conhecida como Reia Sílvia, essa cratera do Vesta foi passada a pente fino pela sonda Dawn – lançada no espaço em 2007 da agência norte-americana NASA –, tal como todo o restante asteróide.
Vários artigos, entre os seis publicados na Science por equipas internacionais, identificam agora este asteróide como sendo realmente a fonte dos meteoritos do tipo howardito, e também do tipo eucrito e diogenito, que por vezes atingem a Terra. O olhar próximo do asteróide, como nunca antes sucedeu, revelou que os minerais na superfície do asteróide são os mesmos que estão presentes naqueles tipos de meteoritos.
Mais: com 19 quilómetros de profundidade e 500 quilómetros de diâmetro (um pouco menos do que o próprio asteróide, que tem 530), a Reia Sílvia é suficientemente grande para dela terem resultado os meteoritos do tipo howardito, eucrito e diogenito.
Assim sendo, fica reforçada a tese de que o meteorito de Chaves veio de Vesta até Portugal. Deste meteorito, recuperaram-se quase três quilos: o maior fragmento, com 2,4 quilos, está no Museu do Instituto Superior de Engenharia do Porto, enquanto outros dois (de 200 e 120 gramas) encontram-se no Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico da Faculdade de Ciências do Porto. O Museu de História Natural de Paris tem ainda 61 gramas.
Asteróide é um planeta bebéMas Vesta, que foi descoberto em 1807, está cravejado de crateras resultantes do impacto de meteoritos. Reia Sílvia é a mais recente, formada há aproximadamente 1000 milhões de anos, quase por cima de outra, a Veneneia, de 400 quilómetros de diâmetro. Ora o estudo dos materiais ejectados nestas e noutras colisões, que os arrancaram de camadas menos superficiais, permitiu concluir que Vesta já não é um mero asteróide, mas um planeta bebé.
No início da sua formação e do sistema solar, há 4500 milhões de anos, Vesta estava a caminho de se tornar um planeta, à medida que ia atraindo e acumulando mais matéria. Estava a formar camadas internas distintas, como a Terra, com uma crosta, um manto e um núcleo de ferro (com 110 quilómetros de diâmetro). É aliás o único asteróide que se sabe ter sobrevivido desde os tempos conturbados do início do sistema solar, em que tudo chocava com tudo, facto que os cientistas atribuem à existência do núcleo de ferro.
A sua geologia revela assim características da Lua, dos planetas terrestres e dos asteróides. “Vesta é um corpo de transição entre os asteróides e os planetas. É semelhante a muitos pequenos planetóides que foram os blocos de construção dos planetas e, ao mesmo tempo, tem muitas características de um pequeno planeta, tendo derretido e formado uma crosta e núcleo”, disse David O’Brien, um dos cientistas da missão, citado num comunicado.
Ao ir ao encontro destes calhaus que sobraram da formação de planetas rochosos, como a Terra, Marte e Mercúrio, ideia da NASA é que a Dawn permita compreender melhor a formação do sistema solar. A sonda vai manter-se perto do Vesta até Agosto, altura em que seguirá viagem até Ceres, o maior asteróide do sistema solar, onde chegará em 2015.
“Vesta é uma janela para o passado inicial da história do sistema solar. A compreensão da história dos impactos no sistema solar é importante para compreender a evolução da Lua e dos planetas, incluindo como a vida evoluiu na Terra. Com o estudo dos impactos em Vesta através das suas crateras, podemos saber mais sobre os impactos na Terra primitiva”, referiu ainda David O’Brien.
“Os dados da Dawn permitiram que Vesta deixasse de ser um objecto desfocado com alguns pixéis nas imagens do telescópio espacial Hubble, para se tornar um objecto geológico, que podemos estudar do ponto de vista geológico”, acrescentou, por sua vez, Aileen Yingst, também da missão.
Se cá estivesse, Fernando Monteiro, um dos poucos cientistas portugueses que estudava meteoritos e as suas crateras, só podia ficar contente com os primeiros resultados da visita da Dawn ao Vesta.