Lisboa Sem Reservas, segundo Anthony Bourdain

Foto
Bourdain em Lisboa, aquando das filmagens agora já emitidas Foto: Rui Soares/Arquivo

Muito se falou na altura sobre o que se ia conhecendo das suas escolhas. Sabia-se que tinha ido aos fados com António Lobo Antunes, às conservas, no Sol e Pesca, com os Dead Combo e às bifanas. Tinha estado também na Cervejaria Ramiro e nos restaurantes de José Avillez (Cantinho do Avillez), Henrique Sá Pessoa (Alma) e Ljubomir Stanisic (Bistro 100 Maneiras). Nas redes sociais opinava-se sobre o que deveria ter comido e onde deveria ter ido e muitos foram surpreendidos com a sua popularidade.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Muito se falou na altura sobre o que se ia conhecendo das suas escolhas. Sabia-se que tinha ido aos fados com António Lobo Antunes, às conservas, no Sol e Pesca, com os Dead Combo e às bifanas. Tinha estado também na Cervejaria Ramiro e nos restaurantes de José Avillez (Cantinho do Avillez), Henrique Sá Pessoa (Alma) e Ljubomir Stanisic (Bistro 100 Maneiras). Nas redes sociais opinava-se sobre o que deveria ter comido e onde deveria ter ido e muitos foram surpreendidos com a sua popularidade.

Agora que finalmente o episódio foi disponibilizado no YouTube ficámos a conhecer as opções de Anthony Bourdain. À primeira vista parece que só se fala de crise, da ditadura de Salazar e dos portugueses como um povo pessimista e melancólico, sobretudo, na sessão de fado em que entram António Lobo Antunes e a fadista Carminho. Contudo, embora esses temas sejam recorrentes ao longo do episódio – tal como aconteceu em relação à ditadura de Franco, num capítulo anterior sobre Madrid – é possível vislumbrar além deles.

Bourdain é fiel ao seu estilo e coerente com o seu percurso. Procura o testemunho de pessoas de vários quadrantes – que sejam emblemáticas, ou que tenham vivido certos momentos da história da cidade ou do país –, busca lugares pitorescos e, geralmente, fora dos roteiros turísticos habituais. Por último, no que diz respeito à gastronomia, rodeia-se de quem intervém no panorama local. Pode ser um artista, um jornalista da área, ou um chef. No caso do episódio de Lisboa, Bourdain aparece conduzido por chefes de cozinha nossos conhecidos embora fique subjacente que as sugestões serão deles mas as opções são suas.

O episódio começa bem, na Cervejaria Ramiro. Na companhia de José Avillez e Henrique Sá Pessoa, a conversa vai discorrendo sobre os predicados do local e sobre o que Portugal tem de bom. A sequência passa-se entre imperiais, percebes, camarões “de morrer”, lagostins “de fazer chorar”, amêijoas, búzios, santolas e pregos (“a sobremesa”). A partir deste momento Bourdain parece deixar-se envolver numa atmosfera introspectiva e uma cidade mais sombria aparece. Sobretudo na parte com Lobo Antunes e Carminho, na Tasca do Chico, mas, também, com os Dead Combo, no Sol e Pesca, ou com Tozé Brito no Cantinho do Avillez. Mas Bourdain dá também alguma cor à cidade e mostra uma Lisboa diferente e pitoresca pautada pela presença de pessoas simples - como nas cenas do grupo do jogo de chinquilho, na pesca de polvo, ou o no almoço com o os pescadores).
Como sempre acontece nos seus episódios, o norte-americano procura a autenticidade no que come, seja numa bifana no café da esquina, num prego e uma mariscada no Ramiro, ou numa das propostas dos “chefes talentosos” que o acompanham no episódio
(clique aqui para a página relativa a este episódio no site do Travel Channel).

Neste caso deixa-se render pelos pezinhos de porco e peixinhos da horta, de Avillez; pela cavala, o bacalhau e o leitão, de Sá Pessoa; ou pelo cabrito com arroz de miúdos, de Stanisic - todos pratos de raiz tradicional e de reinterpretação contemporânea. Uma proposta que pareceu algo forçada, e não tão “very traditional”, como foi apresentada, é o guisado de coração de cavalo, fígado de touro e mioleira de porco deste último chef – cujo protagonismo pareceu apagado tendo em conta a sua personalidade e a sua experiência televisiva.

Em Dezembro, na conferência de imprensa que deu no final das filmagens, Bourdain referia que se aprende muito sobre as pessoas vendo “o que elas comem, como comem, em que circunstâncias, o que cozinham, o que lhes dá prazer”. É fácil apontar erros e faltas, como a ausência do multiétnico Martim Moniz, da cozinha goesa, dos vinhos da região ou do pastel de nata, só para dar alguns exemplos. Contudo, em traços gerais e com uma montagem muito feliz (excelentes os pormenores com os Dead Combo), Bourdain cumpre o desígnio de forma coerente e de acordo com a filosofia do programa.

* Miguel Pires é critico gastronómico, autor do blogue Mesa Marcada e do livro “Lisboa à Mesa – Guia onde comer. Onde Comprar”
Recorde o vídeo de quando Bourdain esteve em Lisboa