América, a grotesca
Uma envelhecida rock star dos anos 80, de cérebro meio frito, com cabelo e maquilhagem roubados ao Robert Smith dos Cure, vai para a América em busca do torcionário nazi que, durante a guerra, fez a vida negra ao seu pai. Bizarro? No papel talvez, no filme não passa duma salganhada grotesca. Sean Penn é o primeiro a não perceber isso.
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Uma envelhecida rock star dos anos 80, de cérebro meio frito, com cabelo e maquilhagem roubados ao Robert Smith dos Cure, vai para a América em busca do torcionário nazi que, durante a guerra, fez a vida negra ao seu pai. Bizarro? No papel talvez, no filme não passa duma salganhada grotesca. Sean Penn é o primeiro a não perceber isso.
É ele o protagonista, o músico Cheyenne (Sorrentino começa logo aí a sinalizar o “sonho americano”), e parece afincadamente querer confirmar aquele velho dito sobre quão ridículos podem ser os “grandes actores” quando deixados sozinhos com a sua vocação exibicionista. É que não se acredita (em todos os sentidos: “não se acredita!” também como interjeição) naquela androginia infantiloide, naquela suposta profundidade psicológica resolvida em tiques e maneirismos - na explosão de amargura perante o incauto David Byrne, guest star a caucionar a fixação do filme pela homónima canção dos Talking Heads (porque Cheyenne quer encontrar “o seu lugar”, claro), juraríamos que no contracampo do olhar do cantor está todo um espanto de espectador perante aquele espectáculo: “não se acredita”.
Talvez Johnny Depp, talvez Tim Burton, que têm passado a vida a encarnar e a filmar crianças grandes (como elas são: monstros), pudessem fazer alguma coisa por Cheyenne. Penn e Sorrentino tentaram e falharam.Depois, Sorrentino. A coisa correu-lhe de feição a seguir a Il Divo e agora internacionalizou-se: grandes vedetas e as paisagens americanas, de Nova Iorque ao Utah. Melhor para ele. Pior para nós: não bastava a inanidade do argumento, Sorrentino tem que provar que é um dos realizadores actuais de estilo mais publicitário. Contas por alto, em cada dez planos nove têm como razão de ser um efeito qualquer: enquadrar as linhas futuristas do Estádio Aviva no bairro típico de Dublin em que está inserido (abre-se e fecha-se o filme assim), movimentos de câmara velocíssimos para coisa nenhuma, reenquadramentos “inesperados”, picados e contra-picados porque sim, efeitos ópticos a dar com um pau - a partir do momento em que se chega à América, então, é um maná (porque é a “paisagem”, a América profunda, entendida como colecção de anedotas visuais).
É a “mise en scène” a gritar que existe, situação em que, normalmente, não existe. Ainda assim, ou exactamente por isso, Sorrentino está convencido de que está o fazer o seu Paris, Texas - e não fosse a coisa escapar a alguém lá aparece, a dada altura, o infeliz Harry Dean Stanton (que era o protagonista do filme de Wenders), a negar outro velho dito, este de Roger Ebert (“qualquer filme com Harry Dean Stanton não pode ser completamente mau”). Este é. E nem falámos do encontro com o velho nazi.