Jovens criam movimento contra o trabalho precário
Três amigos desempregados decidiram juntar-se contra a precariedade e criaram o “Movimento dos Jovens Desempregados”. Quarta-feira, 25 de Abril, vão sair à rua, no Porto
A proposta de emprego pedia um operador de imagem para a EXPOCosmética, no Porto, e Nelson de Castro, 26 anos, licenciado em Cinema e Vídeo, não hesitou. Enviou a candidatura por email e a resposta chegou-lhe, prontamente, pelo mesmo meio: tinha sido aceite, mas o pagamento não iria ser feito em dinheiro. “Disseram-me que, como era uma grande experiência pessoal e profissional, não pagavam em dinheiro, mas sim em produtos capilares.” Nelson recusou.
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A proposta de emprego pedia um operador de imagem para a EXPOCosmética, no Porto, e Nelson de Castro, 26 anos, licenciado em Cinema e Vídeo, não hesitou. Enviou a candidatura por email e a resposta chegou-lhe, prontamente, pelo mesmo meio: tinha sido aceite, mas o pagamento não iria ser feito em dinheiro. “Disseram-me que, como era uma grande experiência pessoal e profissional, não pagavam em dinheiro, mas sim em produtos capilares.” Nelson recusou.
Uma transferência da Universidade Nova de Lisboa para a Universidade do Porto evitou que Joaquim Almeida, 25 anos, desistisse do curso de História que começou a tirar em 2007. Os empregos temporários – na moda e em call centers – que ia fazendo para conseguir viver em Lisboa deixaram de aparecer. Voltou ao Porto, para casa dos pais, e em seis meses de inscrição no Centro de Emprego surgiu apenas uma proposta: para ir para o exército. Joaquim recusou.
A situação está a tornar-se incomportável. “As propostas de trabalho que se vêem são de estágios. Já não oferecem honorário, oferecem integração em equipas jovens e dinâmicas e a possibilidade de entrada, como se fosse uma grande coisa”, lamenta Nelson de Castro. Foi por isso que estes dois jovens e Eurico Soto Romero, 29 anos, decidiram juntar-se.
Criaram o “Movimento dos Jovens Desempregados” e exigem uma “mudança de políticas efectiva”. Para já são três, mas esperam, em breve, ser muitos mais. Nelson e Joaquim pintam uma faixa gigante à porta do Centro de Emprego de Vila Nova de Gaia e entregam panfletos. Eurico, técnico de informática, faltou à chamada para ir, precisamente, a uma entrevista de emprego. As palavras de ordem desenhadas - “Jovens desempregados exigem mais trabalho, direitos e dignidade” – vão-se mostrar amanhã, no desfile do 25 de Abril (Campo 24 de Agosto, Porto, 15h), e mais tarde, no desfile do 1º de Maio (Aliados, Porto, 15h).
Mobilizar jovens desempregados
A passagem pelos Centros de Emprego – estiveram no Porto, em Gaia, em Gondomar e em Matosinhos – serviu para sentir o pulso ao problema. E para fazer crescer o movimento: “Queremos mobilizar os jovens desempregados e perceber o que podemos fazer.”
Ao segundo dia de visitas, em Gaia, Nelson de Castro já tinha percebido com o que iriam lidar: “Gente conformada e cansada, de sucessivos anos de reivindicação sem retorno.” Há um tom de compreensão nas palavras do jovem, natural do Barreiro (“É normal que estejam desacreditadas dos partidos e dos movimentos e de tudo...”), mas uma pontinha de ânimo também. “Ao mesmo tempo sentimos que as pessoas querem fazer alguma coisa”, diz.
Criar um movimento apartidário pode não ser sinónimo de descrença nos políticos. Certo? “Pessoalmente acredito que os partidos podem ter propostas justas para mudar o país”, responde Nelson, que gostava que os portugueses dessem uma hipótese a quem nunca foi alternativa. “Até agora só vivemos com dois partidos, se calhar esse é o problema, se calhar outro partido podia fazer coisas diferentes”.
É um desejo que o estudante do último ano de História Joaquim Almeida corrobora. E eleger uma forma de luta fora de um partido tem uma justificação, assumem os dois jovens filiados no Partido Comunista Português. “Acho que há mais abertura das pessoas se não estiverem debaixo do nome de um partido, talvez intervenham mais”, atira Nelson.
Programa ”Impulso Jovem” não é solução
Ainda em “fase embrionária”, o "Movimento dos Jovens Desempregados" está ainda a definir as formas de luta mais apropriadas. Chegar à Assembleia da República é importante, mas “tendo como base a reivindicação na rua”, ressalvam. É um requisito de quem já viu muitas propostas serem entregues ao Governo “sem qualquer efeito”.
O que também não surtirá efeito, prevêem, é o programa Impulso Jovem, com o qual o Governo pretende responder ao problema do emprego jovem, que atingiu, em Fevereiro, os 35,4% na faixa abaixo dos 25 anos, segundo dados do Eurostat. Nelson explica: “O programa promove o empreendedorismo e os estágios. O que é que isso significa? Nós, jovens com algum dinheiro na mão, vamos empreender em quê? Vamos investir em quê?.”
O que eles desejam é “concorrer a um emprego e ter um vínculo de trabalho minimamente decente”. E Joaquim Almeida lembra que não se trata apenas de conseguir fazer um investimento para abrir uma empresa. É preciso mantê-la. “Os dados são claros: 95% das empresas abertas até há dois anos fecharam, não resultaram. É devastador, mais de metade dessas pessoas estão numa situação de dívida extrema.”
O país limita-os - "Não há emprego, não há dignidade, se quisermos comprar um carro não temos direito a um empréstimo, queremos organizar a vida e não podemos fazer nada”, diz Joaquim Almeida -, mas é nele que querem viver. Emigrar está em cima da mesa, sim, mas não por ser um cenário que lhes agrade. Nelson de Castro remata com ironia: “Aos outros países gosto de ir de férias, não gostava nada de sair da minha zona de conforto.”