Bruxelas de toda a gente

As oportunidades existem, de facto, mas o nicho delas é do tamanho da Europa. Pelo menos

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tworm/ Flickr

Bruxelas, capital das instituições europeias e centro político da Europa, terra de monarcas e do Tintin, fez-me achar que seria também o protótipo da civilização e do cosmopolitismo. É, mas não só.

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Bruxelas, capital das instituições europeias e centro político da Europa, terra de monarcas e do Tintin, fez-me achar que seria também o protótipo da civilização e do cosmopolitismo. É, mas não só.

As ruas sujas de Bruxelas são o primeiro choque para quem chega cheia de expectativas sobre o civismo da capital da União Europeia. Mas em pouco tempo se percebe que, por ser tão “europeísta”, Bruxelas é pouco belga e isso é o melhor e o pior da cidade. A multiplicidade de culturas vai muito para além das 27 nacionalidades dos países da UE, o que faz com que a procura de emprego nas instituições ou nos derivados, possa ser uma longa maratona de testes e questionários infindáveis, mas também um treino para qualquer competição ao mais alto nível.

É que, aquele emprego que tinha mesmo a “minha cara”, de repente tem mais 500 “caras” que, além do pedido, são absolutamente nativos em mais seis idiomas do que eu, já fizeram mais oito mestrados em outros tantos países, foram voluntários altruístas a salvar criancinhas na América Latina e em África e agora querem fazer política confortavelmente sentada. E agora? Como é que eu sobressaio no meio disto tudo?! Não sei. Mas é possível.

As oportunidades existem, de facto, mas o nicho delas é do tamanho da Europa. Pelo menos. É isso que é preciso ter sempre em perspectiva. Resolvido o capítulo do emprego, é muito fácil viver em Bruxelas. A cidade não impõe nada a ninguém. Se quisesse falar português o dia inteiro ou ter comida igual à da mãe, todos os dias, seria possível, entre tanto restaurante ou mercearia da terra. Mas se me apetecer o ingrediente asiático ou árabe mais exótico, está exactamente à mesma distância. Até Kinshasa está ali ao lado.

Todos os dias, a uns 300 metros do PE, atravesso Kinshasa ou Dakar. A sério! Está tudo ali, desde churrasco em qualquer buraco, o lixo espalhado pelo chão – mais ainda do que no resto da cidade – as conversas estridentes e agitadas, só falta mesmo o sol e a temperatura. No início, não me dei conta da quantidade de coisas que acontecem nesta terra porque elas não são anunciadas em cartazes gigantes em todo o lado. Levou-me algum tempo e pesquisa, até perceber que em Bruxelas acontece tudo e de tudo.

Ainda agora me surpreendo e me irrito quando, às nove da manhã de uma segunda-feira, fico bloqueada numa das ruas mais movimentadas da cidade onde está a passar o camião do lixo, porque a recolha não pode ser feita de noite. Mas também me surpreendo, mas rio-me quando, durante o Verão, se fecham ruas e túneis a partir das oito da noite para as pessoas andarem de patins em linha à vontade, atrás de um trio eléctrico.

É a terra das incoerências. Talvez porque Bruxelas tenha mais estrangeiros que belgas, que vivem dentro de “bolhas”, que raramente se misturam – a das instituições, a dos africanos, a dos árabes, … não obriga ninguém a coisa alguma. Prova disso, é que é perfeitamente possível sobreviver na cidade sem falar qualquer dos idiomas dos nativos.