Acordo Fotográfico, a caçadora de leitores
Somos particularmente fotogénicos quando lemos um livro, acredita a criadora do blogue Acordo Fotográfico. Desde Dezembro que anda de máquina fotográfica ao ombro à procura de leitores em lugares públicos – e “que los hay, los hay”
Sandra Barão Nobre lembra-se de andar “sempre agarrada a um livro” desde pequena, mas só no Verão do ano passado começou a achar que podia dar uma boa caçadora de leitores. “Como gosto muito de fotografia, decidi fotografar pessoas a ler – é uma postura bonita. Em Agosto, enchi-me de coragem e fui ter com duas leitoras em Campanhã”, conta ao P3.
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Sandra Barão Nobre lembra-se de andar “sempre agarrada a um livro” desde pequena, mas só no Verão do ano passado começou a achar que podia dar uma boa caçadora de leitores. “Como gosto muito de fotografia, decidi fotografar pessoas a ler – é uma postura bonita. Em Agosto, enchi-me de coragem e fui ter com duas leitoras em Campanhã”, conta ao P3.
Luísa, que tinha na mão um livro de Ken Follett, e Ana, que estava a começar um romance de Vargas Llosa, foram as primeiras personagens do blogue Acordo Fotográfico, que ficou “online” quatro meses depois. Desde Dezembro, já apanhou mais 43 leitores em flagrante – sobretudo no Porto, à hora do almoço, um intervalo que Sandra aproveita religiosamente para as suas caçadas em esplanadas, jardins, praças e cafés.
No blogue, além do retrato do leitor com o seu livro, encontramos a pequena história de cada breve encontro – e é assim que ficamos a saber das saudades do sr. Alberto sempre que se despede dos protagonistas de um livro, da saga do Pedro com uma edição de bolso armadilhada e dos treinos de Telmo para a Maratona das Areias, que por estes dias atravessou o deserto do Sara. Mas ficamos sobretudo a saber como é que um livro chega ao seu leitor – em quase cinco meses de Acordo Fotográfico, Sandra encontrou volumes oferecidos no Natal, comprados em alfarrabistas, encomendados pela Internet, emprestados por colegas de trabalho, requisitados em bibliotecas ou enviados de muito longe por amigos perdidos de vista.
“É óptimo conversar com estranhos a propósito de livros”, diz. Raramente se deparar com recusas, mas só numa tarde em Lisboa ouviu cinco nãos; ficou “desmoralizada”. Como qualquer caçador experiente, porém, já desenvolveu “uma espécie de radar”: “Tenho conseguido fotografar quase todos os dias. Mas claro que também já me aproximei de pessoas que me pareciam estar a ler e afinal estavam só debruçadas sobre o telemóvel...”.
No país dos telemóveis
Mesmo num país de telemóveis, há cada vez mais leitores, constata Sandra. O que é surpreendente, sublinha, é encontrar tantos portugueses a ler em inglês e francês. O Acordo Fotográfico também já se cruzou com leitores vindos da Polónia, da Rússia, de Espanha, da Ucrânia, da Alemanha, da Eslovénia e do Reino Unido; difícil, difícil foi avistar alguém a ler um autor português – só ao fim de dois meses e 26 posts apareceu o Rui, com os “Cadernos de Lanzarote” de José Saramago.
Para uma leitora compulsiva como Sandra, a experiência tem sido do mais “gratificante”: “Estava a precisar de um estímulo. Andamos todos tristes, conformados, isso começava a afectar-me”. Cada leitor acidental é um admirável mundo novo, até porque até hoje a autora do blogue ainda não encontrou ninguém a ler um livro que ela já tivesse lido – é coisa que tem na “wishlist”, ao lado de “encontrar alguém a ler uma coisa que a maioria das pessoas tenha vergonha de ler num local público” e de levar o Acordo Fotográfico na mala da próxima vez que for de viagem.
Fã incondicional de Eça de Queirós – “Devorei tudo o que havia em casa dos meus pais depois de ler ‘Os Maias’ numas férias” – e da “Servidão Humana” de Somerset Maugham, Sandra não pode estar muito tempo sem ler (ainda por cima, trabalha como gestora de conteúdos numa livraria “on-line”): “Fico rabugenta...”.
Em casa, a acumulação de livros começa a ser um problema, mas os “ebooks” ainda não são hipótese: “Gosto de chegar a casa e de olhar para as lombadas nas estantes – são amigos que estão ali”. Ainda não encontrou ninguém na rua a ler num “tablet”, nem sabe o que fará com isso: “Este é um blogue de leitores com livros na mão. Vamos ver até quando continuo a encontrá-los...”.