“Ceci n’est pas une crise”
Como diria um Magritte dos valores, “ceci n’est pas une crise” mas um equívoco, uma fórmula errada. É por isso que o mundo está podre. Deixá-lo arder até às fronteiras do Butão
Jigme Wangchuck ficou órfão aos 17 anos e tornou-se monarca do Butão — um pequeno reino, emparedado entre as fronteiras da Índia e da China, abraçado aos Himalaias. Desde a coroação que Jigme Wangchuck vivia desesperado com as críticas aos baixos índices de crescimento económico do seu pequeno país. Mas a verdade é que o Butão, não fossem as estatísticas, era um país composto por 700 mil habitantes de vida saudável e equilibrada.
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Jigme Wangchuck ficou órfão aos 17 anos e tornou-se monarca do Butão — um pequeno reino, emparedado entre as fronteiras da Índia e da China, abraçado aos Himalaias. Desde a coroação que Jigme Wangchuck vivia desesperado com as críticas aos baixos índices de crescimento económico do seu pequeno país. Mas a verdade é que o Butão, não fossem as estatísticas, era um país composto por 700 mil habitantes de vida saudável e equilibrada.
Foi assim que o jovem e esclarecido rei do Butão concluiu que, se os cidadãos estavam felizes, o problema estaria certamente na fórmula usada para calcular o sucesso daquela sociedade. Foi então que tomou uma resolução inesperada da parte de quem exerce um cargo governativo: observou as evidências, questionou as estatísticas e criou um indicador capaz de integrar as variáveis representativas da sociedade de um país.
Assim, no Butão, o PIB, Produto Interno Bruto, deu lugar à FIB, Felicidade Interna Bruta. Um indicador assente num principio demasiado óbvio para ser omitido das estatísticas: uma sociedade feliz só poderá resultar de um equilíbrio entre bens materiais e o estado psicológico dos cidadãos. O orçamento público passou a incluir a felicidade como um dos objectivos, a par da habitação, educação ou alimentação.
Sendo esta uma premissa tão óbvia, é difícil entender porque toda a humanidade, à excepção do Butão, avança em tamanho desencontro com as suas reais necessidades e vive centrada no que contribui apenas para uma pequena parte do sucesso humano: o dinheiro. Por isso estamos envolvidos num pernicioso erro de cálculo que ganhou a dimensão de buraco negro, uma crise capaz de engolir, não apenas bens, mas a porção de humanidade que nos resta.
Como diria uma espécie de Magritte dos valores, “ceci n’est pas une crise” mas um fatal equívoco. É apenas uma regressão a momentos sombrios da história ocidental, onde a capacidade de pensar era incinerada em praça pública. Exibimos uma sociedade amputada da sua inteireza, que jaz numa ignorância conveniente a forças ocultadas. Como castigo, desconhece que não ser feliz é imperdoável. Que a FIB não se compra com juros altos mas que só pode crescer dentro de cada cidadão. A Felicidade Interna Bruta é o único produto possível do que somos.
“Ceci n’est pas une crise”. É uma fórmula que está errada. É por isso que o mundo está podre. Deixá-lo arder até às fronteiras do Butão.