O caso do “dread” que abriu a porta ao “betinho”

Donald Trump não é um “dread”, mas foi obrigado a abrir a porta ao “betinho” da casa ao lado… Assim se faça também por cá

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Reuters

Quem já viu a série “South Park” sabe bem como é que boa parte dos norte-americanos vê os vizinhos de cima (os canadianos): estranhos, porque demasiado educados, até falam mais do que uma língua e são, sobretudo, “quadrados”. Ok, está bem visto este humor cáustico da dupla Trey Parker e Matt Stone, mas fica no ar assim uma espécie de cobiça intelectual — ou talvez seja apenas divertido gozar com o vizinho. Mais ou menos como o “dread” que goza com o “betinho” da casa ao lado…

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Quem já viu a série “South Park” sabe bem como é que boa parte dos norte-americanos vê os vizinhos de cima (os canadianos): estranhos, porque demasiado educados, até falam mais do que uma língua e são, sobretudo, “quadrados”. Ok, está bem visto este humor cáustico da dupla Trey Parker e Matt Stone, mas fica no ar assim uma espécie de cobiça intelectual — ou talvez seja apenas divertido gozar com o vizinho. Mais ou menos como o “dread” que goza com o “betinho” da casa ao lado…

Deve, pois, ter sido com um certo nó na garganta que o multimilionário norte-americano Donald Trump, organizador do Concurso Miss Universo, teve de aceitar a inscrição da canadiana Jenna Talackova. Eleita Miss Canadá, a senhora inscreveu-se, naturalmente, para a corrida ao lugar de mulher mais bonita do mundo. O problema, para a organização de Trump, é que ficou a saber-se que Talackova, afinal, nasceu homem. Ora, o regulamento especificava que as concorrentes deviam ter nascido mulheres de forma natural; logo, a canadiana não podia ser aceite como concorrente, certo?

Jenna Talackova achou injusta a decisão dos organizadores e, depois de uma batalha no tribunal, conseguiu ver a sua candidatura aceite e vai poder estar em frente ao jurado para a eleição de Miss Universo. Paula Shugart, presidente da organização do concurso, disse depois que esta entidade tem “uma longa história de apoio à igualdade para todas as mulheres e isso é algo que levamos muito a sério”. Bom, se assim fosse, o recurso ao tribunal era desnecessário… Mas, adiante.

Em Portugal, só há cerca de um ano (a 15 de Março de 2011, mais precisamente) é que entrou em vigor a Lei da Identidade de Género (lei nº 7/2011). Desde então, Portugal permite a alteração de sexo e de nome próprio de todos os maiores de idade, de nacionalidade portuguesa e que não se mostrem interditos ou inabilitados por anomalia psíquica, a quem seja diagnosticada perturbação de identidade de género (deve ser exibido o competente relatório clínico multidisciplinar). O pedido pode ser feito em qualquer Conservatória do Registo Civil, bastando que seja apresentado um requerimento de alteração de sexo com indicação do número de identificação civil e do nome próprio da futura identificação.

Dados do Ministério da Justiça dão conta de que, em 2011, houve cerca de 80 alterações de sexo e de nome no registo civil: 32 mulheres e 44 homens. Um salto em frente numa sociedade tradicionalmente avessa a “corpos estranhos” no seu feixe habitual de ideias. Com a Lei da Identidade de Género, separou-se o procedimento cirúrgico e hormonal da questão jurídica, que levou muitos transexuais a esperar anos a fio por uma decisão do Estado quanto à sua vontade (legítima) de alteração de género.

Caster Semeneya ficou conhecida no mundo por se julgar que esta atleta da África do Sul seria um homem. Testes de ADN comprovaram que “apenas” é portadora de uma particularidade cromossomática que lhe confere características masculinas e femininas. Jenna Talackova vivia num corpo que não era o dela (então, dele) e muito menos saiu da série “South Park”. Donald Trump não é um “dread”, mas foi obrigado a abrir a porta ao “betinho” da casa ao lado… Assim se faça também por cá.