E se o maior clube de África abandonar o futebol?
O futebol já interrompeu guerras. Quando o Santos de Pelé foi a África em 1969, numa excursão ao antigo Congo Belga, na altura em guerra civil, o país fez um intervalo na luta armada para ir ao estádio. Agora, de volta a África, 43 anos depois, acontece o contrário no Egipto: a violência no país, que resultou na morte de 74 pessoas durante um jogo, em Fevereiro, e a falta de ordem no futebol deixaram a modalidade em estado de sítio. De tal forma que o Al-Ahly ameaça boicotar todas as competições realizadas pela federação local.
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O futebol já interrompeu guerras. Quando o Santos de Pelé foi a África em 1969, numa excursão ao antigo Congo Belga, na altura em guerra civil, o país fez um intervalo na luta armada para ir ao estádio. Agora, de volta a África, 43 anos depois, acontece o contrário no Egipto: a violência no país, que resultou na morte de 74 pessoas durante um jogo, em Fevereiro, e a falta de ordem no futebol deixaram a modalidade em estado de sítio. De tal forma que o Al-Ahly ameaça boicotar todas as competições realizadas pela federação local.
O clube treinado pelo português Manuel José e os seus adeptos estão furiosos com a decisão da Associação de Futebol do Egipto (EFA) de suspender o Al-Masry por duas temporadas. Um castigo leve de mais, consideram. "E com razão", diz Simon Allison, jornalista sul-africano radicado na Somalilândia, território autónomo da Somália. "Muitos adeptos do al-Ahly foram mortos no pior caso de violência dentro de um estádio desde que os gladiadores romanos massacravam os escravos nas arenas", conta este especialista em política africana e do Médio Oriente, referindo-se aos incidentes no Estádio do Al-Masry, em Port Said, naquele fatídico 1 de Fevereiro.
Este foi o incidente mais letal desde o início dos protestos que levaram à queda do poder de Hosni Mubarak, no ano passado. Por isso, quando a EFA anunciou o castigo do Masry (dois anos de suspensão, sendo que um já passou devido ao cancelamento da Liga neste ano, e três anos a jogar à porta fechada), o Al-Ahly não gostou. "A questão não é apenas o futebol", disse ontem numa entrevista ao site da FIFA o egípcio Ahmed Hassan, antigo jogador do Ahly e actualmente no Zamalek. "O país inteiro está a sofrer de falta de ética, bem como da falta geral de segurança, o que causa problemas em todos os aspectos da vida. A recuperação vai levar tempo. O futebol irá recuperar, mas o país inteiro precisa de sair deste túnel escuro", desabafou o médio de 36 anos, detentor do recorde mundial de internacionalizações por uma selecção (179).
Para os dirigentes do Al-Ahly, este não era o castigo esperado. "Estamos de rastos e realmente furiosos", disse um dos membros da direcção, Khaled Mortagy. "Achamos que isto nada tem a ver com justiça". O clube queria uma pena mais pesada, uma suspensão de cinco anos e a despromoção do Al-Masry para a última divisão do futebol egípcio.
Insatisfeito com esta decisão, avançou com uma posição mais radical. Sabendo que é o maior e mais bem sucedido emblema, não só do país, mas de todo o continente (com 35 campeonatos e seis Ligas dos Campeões africanas), a direcção do Al-Ahly anunciou que pondera abandonar todas as provas do Egipto. O que significa não jogar em mais lado nenhum, pois sem a competição doméstica não há mais nada. A não ser que, claro, as suas exigências sejam respeitadas. Ou seja, a não ser que a direcção da EFA seja substituída e que o castigo ao Masry seja revisto e agravado.
Com a demissão do presidente e da direcção do Al-Masry a seguir ao desastre de 1 de Fevereiro, o clube tem andado em silêncio e não há ainda nenhuma reacção oficial à resolução da EFA. Entretanto, o Al-Ahly vai preparando os jogos para a Liga dos Campeões africanos, com a certeza de que a sua decisão de ponderar deixar o futebol tem em conta valores que vão para além do desporto.