Neil Harbisson é o primeiro humano oficialmente reconhecido como cyborg
Sim, leste bem. Este rapaz de 29 anos, nascido na Irlanda do Norte e criado na Catalunha, tornou-se no primeiro homem reconhecido por um país como organismo cibernético
Neil Harbisson viveu uma “infância confusa”. A sua incapacidade de distinguir as cores suscitou vários diagnósticos, desde o daltonismo a dificuldades de aprendizagem, até que, aos 11 anos, se percebeu que Neil padecia de acromatopsia, doença que lhe permite ver o mundo apenas a preto e branco.
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Neil Harbisson viveu uma “infância confusa”. A sua incapacidade de distinguir as cores suscitou vários diagnósticos, desde o daltonismo a dificuldades de aprendizagem, até que, aos 11 anos, se percebeu que Neil padecia de acromatopsia, doença que lhe permite ver o mundo apenas a preto e branco.
Em 2003, altura em que frequentava o Dartington College of Arts, decidiu assistir a uma palestra sobre cibernética que transformou a sua vida. Falava-se de ampliar os sentidos, “perceber por que é que a cor influencia tanto as pessoas” - o que não podia ir mais ao encontro do desejo de Neil Harbisson, de 29 anos.
Do diálogo com o palestrante, Adam Montandon, surgiu a ideia de criar o eyeborg – fusão das palavras eye (olho) e cyborg (organismo cibernético) –, dispositivo electrónico que abriu caminho à metamorfose cromática na vida de Neil Harbisson. O aparelho, agora na versão simplificada, “tem um sensor, atrás da cabeça, que recebe as frequências de luz e transforma-as em frequências sonoras”, explica ao P3. A captação da cor fica a cargo de uma câmara, situada acima da testa e, depois, possibilita que Neil recorra aos "ossos – do crânio – para ouvir as cores”.
Adaptação à vida de cyborg
A adaptação ao eyeborg não foi fácil. “Demorei cinco semanas a habituar-me aos sons das cores”, mas, passado algum tempo, “a informação tornou-se percepção e, mais tarde, em sensação”, conta. Assim, acabaram episódios insólitos do quotidiano, como “precisar de testar ambas as torneiras para ver qual corresponde à água quente e à fria”. Sobraram outros, nomeadamente quando ouve música electrónica e as suas frequências sonoras se misturam com as emitidas pelas cores, daí a vontade de “pôr o eyeborg debaixo do couro cabeludo para diferenciar melhor os sons visuais dos sons auditivos.”
O mais mediático de todos os acontecimentos ocorreu em 2004, quando o Reino Unido reconheceu a prótese como parte do seu corpo. À data, Neil Harbisson viu negada a renovação do passaporte britânico por se apresentar na fotografia com equipamento electrónico. Entretanto, gerou-se um movimento de apoio, com os amigos, médicos e responsáveis da faculdade a reforçarem que Neil necessitava do eyeborg no dia-a-dia.
“Justifiquei que não era equipamento electrónico e que se tinha tornado parte do meu corpo”, uma compensação da sua condição visual. Sim, porque Neil não se lhe chama deficiência ou doença, mas antes sonocromatismo ou sonocromatopsia. “Deficiência é o que as pessoas sentem, não o que têm. Algumas pessoas são esquerdinas e sentem-se incapazes porque o mundo é feito para os destros”, justifica.
Para Neil, a associação cultural das cores é bem diferente. “O vermelho é a cor mais pacífica e indiferente, porque tem a frequência mais baixa. A cor mais violenta é o violeta, por ter a frequência sonora mais alta”, conta.
Além de possibilitar a percepção da cor – e de uma forma mais apurada, pois Neil recebe as três propriedades separadamente: o tom através de uma nota, a luz pelos olhos e a saturação pelo volume dos sons -, o eyeborg alargou o seu potencial de expressão artística.
O dispositivo deu a Neil a hipótese de fundir as suas grandes paixões: música e artes plásticas. Dedica-se agora à criação de retratos sonoros, composições em que converte as cores da face em música, e Color Scores, onde transforma as 100 primeiras notas de grandes obras musicais em pinturas. Por isso, “agora não há diferença entre artes e música”.