“Space Ghost Coast To Coast”: tudo a bater mal neste talk-show
É um "talk-show" em desenho animado apresentado pelo velho super-herói dos anos 60 com a ajuda dos seus antigos arqui-inimigos, o insecto gigante Zorak e o homem de lava Moltar
A minha experiência é igual às de muitos outros: um dia, ainda era eu puto, a meio de tarde liguei a televisão no Cartoon Network e deparei-me com uma espécie de "talk-show", de animação crude e com convidados reais a aparecer num ecrã. Não entendi nada e demorou uns bons anitos para reencontrar a série.
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A minha experiência é igual às de muitos outros: um dia, ainda era eu puto, a meio de tarde liguei a televisão no Cartoon Network e deparei-me com uma espécie de "talk-show", de animação crude e com convidados reais a aparecer num ecrã. Não entendi nada e demorou uns bons anitos para reencontrar a série.
“Space Ghost Coast To Coast” foi uma das grandes experiências do Cartoon Network nos anos 90. A base era o velho desenho animado “Space Ghost”, que contava com desenhos elegantes típicos do mestre Alex Toth e com animação primitiva típica da Hanna-Barbera, o estúdio de animação clássico mais rasca. Agora, o velho super-herói dos anos 60 apresentava um programa de conversa, com a ajuda dos seus antigos arqui-inimigos, o insecto gigante Zorak e o homem de lava Moltar. Com os seus valores de produção intencionalmente limitados e o seu sentido de humor absurdista, “Space Ghost” foi o primeiro programa a definir a estética Adult Swim, hoje em dia omnipresente nas séries adultas do Cartoon Network e criticada (com alguma razão) pela sua falta de conteúdo emocional e pela preguiça inerente ao seu humor dadaísta.
Mas “Space Ghost Coast To Coast” é diferente. É verdade que não faltam momentos absurdos: reina o cãos desde a aparição de um duende espacial que faz faixas de hip-hop pedagógicas sobre legumes, passando pelo malévolo primo "beatnick" do herói e até ao episódio em que o vilão é “a tua mãe”. Mas o programa não limita o seu humor a estes casos insólitos. Tal como noutros produtos mais convencionais, a verdadeira piada está nas reacções e nas interacções entre as personagens: o inseguro e egomaníaco Space Ghost, o sarcástico e maldoso Zorak e o rezingão Moltar. Tendo em conta a animação limitada do programa, há que fazer uma vénia perante os desenhos de Toth e perante o excelente "voice acting" de George Lowe e C. Martin Croker.
Os convidados do programa são uma mistura de nomes sonantes da "avant-garde" como Thurston Moore, Laurie Anderson e George Clinton e ícones "trash" como Hulk Hogan, Carrot Top e Tyra Banks. Mas também aqui o programa nunca cai no erro de fazer com que a sua aparição seja, só por si, a piada. Ao contrário dos seus congéneres futuros (olá, Seth MacFarlane), “olha o Mr. T” em “Space Ghost” só pode ser a premissa, nunca a "punchline". No fundo, também os convidados só estão lá para descobrirmos novas facetas das personagens — a admiração que Moltar nutre por Erik Estrada ou o desejo de Space Ghost de escovar os cabelos dos Hanson.
Hoje, até os elementos mais mundanos do programa durante a sua aparição original (CGI ranhoso, ruídos de modem) potenciam o charme de detrito pop-cultural que o desenho animado sempre exibiu. Se é inevitável entrarmos num revivalismo dos anos 90 (e que Deus nos ajude a todos), “Space Ghost Coast To Coast” merece um lugar de destaque.