Morreu Tonino Guerra, o argumentista de Antonioni e Fellini
Autor de dezenas de livros, muitos de poesia, e ainda pintor e escultor, descendia de outro grande argumentista italiano, Cesare Zavatini, um dos ideólogos do neo-realismo italiano. Tonino Guerra (chamava-se Antonio, mas adoptou o diminutivo Tonino) começou a escrever em circunstâncias trágicas, quando foi deportado, durante a segunda guerra, para o campo alemão de Troisdorf-Oberlar. Preso em 1943, só regressou a Itália em 1945. É no cativeiro que escreve o seu primeiro livro de poemas, I scarabócc, redigido no dialecto romagnol.
Após a guerra, licencia-se em Pedagogia e continua a escrever. O seu primeiro romance, La Storia di Fortunato, sai em 1952. No ano seguinte muda-se para Roma. A década de 50 é a idade de ouro dos estúdios Cinecittà, e Tonino Guerra - entre os filmes com argumento do seu pai conta-se a obra-prima do neo-realismo italiano, Ladrões de Bicicletas (1948), realizado por Vittorio de Sica -, aproxima-se naturalmente do cinema, para o qual irá levar a sua sensibilidade de poeta. Estreia-se numa colaboração com Giuseppe De Santis, assinando o argumento de Homens e Lobos (1957). Nas décadas seguintes irá trabalhar com mais de cinquenta realizadores italianos e estrangeiros, incluindo Antonioni, Bolognini, Damiano, De Sica, Fellini, Marco Ferreri, Monicelli, os irmãos Taviani, Francesco Rosi, Angelopoulos e Tarkovski.
O número de argumentos que escreveu (mais de uma centena) é impressionante, tanto mais que uma considerável percentagem desses trabalhos resultou em reconhecidas obras-primas do cinema, como Amarcord (1973), de Fellini, A Aventura, de Antonioni (1960), ou Nostalgia (1983), de Andrei Tarkovski. Amarcord valeu-lhe, juntamente com Casanova '70 (1965), de Mario Monicelli, e Blow-Up (1966), de Antonioni, uma das três nomeações que recebeu para os Óscares.
Com Fellini, colaborou ainda em O Navio (1983) e Ginger e Fred (1986), mas os realizadores com quem trabalhou mais regularmente foram Antonioni, para quem escreveu uma dezena de argumentos, Francesco Rosi e, mais recentemente, o cineasta grego Theodoros Angelopoulos, que morreu em Janeiro deste ano e com quem colaborou em sete filmes.
Tinha particular afeição por Tarkovski, com quem escreveu o argumento de Nostalgia. Casado com a russa Eleonora Yablochkina, Guerra trabalhou ainda com o cineasta russo Valdimir Naumov.
A sua intensa carreira de argumentista não o impediu de continuar a escrever e publicar poesia, ficção e teatro. A Assírio & Alvim publicou alguns dos seus livros, como a recolha de contos O Livro das Igrejas Abandonadas, de 1988, cuja edição portuguesa tem prefácio do jornalista Vicente Jorge Silva, primeiro director do PÚBLICO, que teve a colaboração de Tonino Guerra no argumento do seu filme Porto Santo (1997). A experiência "não correu bem". Apontando em Guerra "um enorme sentido poético da linguagem cinematográfica", Vicente Jorge Silva lembra a sua experiência com o argumentista como um tanto frustrante. E recorda Guerra como um indivíduo "fechado" que o convidou para sua casa, em Itália, e depois o recebeu abruptamente, como se nunca o tivesse convidado. Mas admite que o facto de se ter sentido intimidado perante o argumentista de Antonioni e Fellini também terá contribuído para que a colaboração não tivesse corrido da melhor forma.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Autor de dezenas de livros, muitos de poesia, e ainda pintor e escultor, descendia de outro grande argumentista italiano, Cesare Zavatini, um dos ideólogos do neo-realismo italiano. Tonino Guerra (chamava-se Antonio, mas adoptou o diminutivo Tonino) começou a escrever em circunstâncias trágicas, quando foi deportado, durante a segunda guerra, para o campo alemão de Troisdorf-Oberlar. Preso em 1943, só regressou a Itália em 1945. É no cativeiro que escreve o seu primeiro livro de poemas, I scarabócc, redigido no dialecto romagnol.
Após a guerra, licencia-se em Pedagogia e continua a escrever. O seu primeiro romance, La Storia di Fortunato, sai em 1952. No ano seguinte muda-se para Roma. A década de 50 é a idade de ouro dos estúdios Cinecittà, e Tonino Guerra - entre os filmes com argumento do seu pai conta-se a obra-prima do neo-realismo italiano, Ladrões de Bicicletas (1948), realizado por Vittorio de Sica -, aproxima-se naturalmente do cinema, para o qual irá levar a sua sensibilidade de poeta. Estreia-se numa colaboração com Giuseppe De Santis, assinando o argumento de Homens e Lobos (1957). Nas décadas seguintes irá trabalhar com mais de cinquenta realizadores italianos e estrangeiros, incluindo Antonioni, Bolognini, Damiano, De Sica, Fellini, Marco Ferreri, Monicelli, os irmãos Taviani, Francesco Rosi, Angelopoulos e Tarkovski.
O número de argumentos que escreveu (mais de uma centena) é impressionante, tanto mais que uma considerável percentagem desses trabalhos resultou em reconhecidas obras-primas do cinema, como Amarcord (1973), de Fellini, A Aventura, de Antonioni (1960), ou Nostalgia (1983), de Andrei Tarkovski. Amarcord valeu-lhe, juntamente com Casanova '70 (1965), de Mario Monicelli, e Blow-Up (1966), de Antonioni, uma das três nomeações que recebeu para os Óscares.
Com Fellini, colaborou ainda em O Navio (1983) e Ginger e Fred (1986), mas os realizadores com quem trabalhou mais regularmente foram Antonioni, para quem escreveu uma dezena de argumentos, Francesco Rosi e, mais recentemente, o cineasta grego Theodoros Angelopoulos, que morreu em Janeiro deste ano e com quem colaborou em sete filmes.
Tinha particular afeição por Tarkovski, com quem escreveu o argumento de Nostalgia. Casado com a russa Eleonora Yablochkina, Guerra trabalhou ainda com o cineasta russo Valdimir Naumov.
A sua intensa carreira de argumentista não o impediu de continuar a escrever e publicar poesia, ficção e teatro. A Assírio & Alvim publicou alguns dos seus livros, como a recolha de contos O Livro das Igrejas Abandonadas, de 1988, cuja edição portuguesa tem prefácio do jornalista Vicente Jorge Silva, primeiro director do PÚBLICO, que teve a colaboração de Tonino Guerra no argumento do seu filme Porto Santo (1997). A experiência "não correu bem". Apontando em Guerra "um enorme sentido poético da linguagem cinematográfica", Vicente Jorge Silva lembra a sua experiência com o argumentista como um tanto frustrante. E recorda Guerra como um indivíduo "fechado" que o convidou para sua casa, em Itália, e depois o recebeu abruptamente, como se nunca o tivesse convidado. Mas admite que o facto de se ter sentido intimidado perante o argumentista de Antonioni e Fellini também terá contribuído para que a colaboração não tivesse corrido da melhor forma.