O homem de Marte

Fez agora 30 anos, Steven Spielberg reinventava o cinema de aventuras de série B para uma nova geração com "Os Salteadores da Arca Perdida" (1981), tal como George Lucas o havia feito em 1977 com a space opera e os serials na Guerra das Estrelas. John Carter é animado exactamente pela mesma vontade cinéfila de recuperar a inocência entusiasmada de um tempo em que o cinema popular era de uma ingenuidade desarmantemente contagiante, em que os prazeres simples dos “polícias e ladrões” e dos “índios e cowboys” bastavam para transportar o espectador.

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Fez agora 30 anos, Steven Spielberg reinventava o cinema de aventuras de série B para uma nova geração com "Os Salteadores da Arca Perdida" (1981), tal como George Lucas o havia feito em 1977 com a space opera e os serials na Guerra das Estrelas. John Carter é animado exactamente pela mesma vontade cinéfila de recuperar a inocência entusiasmada de um tempo em que o cinema popular era de uma ingenuidade desarmantemente contagiante, em que os prazeres simples dos “polícias e ladrões” e dos “índios e cowboys” bastavam para transportar o espectador.


Assinalavelmente fiel à personagem imaginada por Edgar Rice Burroughs, o criador de Tarzan - um oficial de cavalaria que, após a Guerra Civil americana, dá por si transportado para um Marte de pacotilha onde cai no meio de uma quase guerra civil - , John Carter é uma espécie de mash-up de géneros. Começa por piscar o olho ao western antes de se instalar numa paisagem mista de ficção científica fantasista retro-primitiva e aventura exótica em terras distantes. E por trás disto está Andrew Stanton, o animador da Pixar responsável por À Procura de Nemo (2003) e Wall-E (2008), trazendo ao filme a mesma solidez de construção a que o estúdio de animação nos habituou e a mesma vontade de desafiar e convencer o espectador a deixar-se seduzir por um filme “à moda antiga” que se coloca deliberadamente ao lado dos padrões contemporâneos do blockbuster.

Também por isso, John Carter é um filme que pertence a um outro tempo, que não estaria contaminado pela redução do discurso sobre o cinema a um mero alinhamento de números de bilheteira e fórmulas de marketing. E assim se corre o risco de passar ao lado do melhor filme de aventuras que Hollywood fez desde o Star Trek de J. J. Abrams (2009); uma série B que não está isenta de falhas mas que as compensa pela sua rendição ao prazer puro do grande cinema popular e que se está a borrifar na necessidade de agradar a gregos e a troianos. E que, sobretudo, nunca quer ser mais do que aquilo que é: um belo filme de aventuras. O que, no tempo em que vivemos, parece vir de Marte. Isso chega-nos. E a si?