João Medeiros: o português que é editor da Wired

Estava para ser cientista, mas foi parar ao jornalismo. Uma saída em Portugal? O empreendedorismo. “Critico quem acha que tem de ter direito de ter emprego no próprio país. É um mercado global”

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Afinal, como é que um doutorado em Cosmologia pelo Imperial College, com o diploma de Física e Astronomia pela Universidade de Southampton, chega a editor da secção “Start” da inglesa Wired, uma das mais importantes revistas de tecnologia e ciência? Foi o que levou o P3 a pegar no telefone e a ligar para Londres. A bem dizer até foi ele que ligou (e depois ainda acrescentou mais umas coisas por e-mail).

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Afinal, como é que um doutorado em Cosmologia pelo Imperial College, com o diploma de Física e Astronomia pela Universidade de Southampton, chega a editor da secção “Start” da inglesa Wired, uma das mais importantes revistas de tecnologia e ciência? Foi o que levou o P3 a pegar no telefone e a ligar para Londres. A bem dizer até foi ele que ligou (e depois ainda acrescentou mais umas coisas por e-mail).

Como é a vida de um editor da Wired?
É muito boa. Nunca pensei trabalhar aqui. É uma revista nova [a nova versão inglesa foi criada em 2009] com uma equipa nova. Escrevo muito sobre negócios, inovação, design, ciência e tecnologia e a formação científica dá-me uma perspectiva diferente. [Na Start] não seguimos o ciclo noticioso. Aquilo que cobrimos é o que vai ser importante no futuro próximo. O trabalho de editor exige sair da secretária e estabelecer relações com os inovadores. Só saíndo da secretária é que conseguimos ser os primeiros a descobrir as histórias sobre as quais daqui a seis meses, um ano, toda a gente vai estar a falar.

E a vida de um jovem português na Wired?
Sou completamente um “outsider” porque não há muitos estrangeiros, mas nunca me senti excluído. Mandam-me “bocas” sobre futebol e sobre a crise. Depois do doutoramento, tentei fazer jornalismo em Portugal, mas a resposta foi relativamente negativa.

Como é que um cientista se torna jornalista?
Sempre escrevi imenso. O meu objectivo era tornar-me cientista, mas só fazendo o doutoramento é que se tem uma noção do que é fazer pesquisa. Ou uma pessoa é totalmente obcecada por aquilo ou não vale a pena fazer ciência. E eu não era obcecado. Tinha de decidir o que queria fazer e fui para o jornalismo científico porque já tinha escrito, por exemplo, para o DN Jovem e, num concurso de escrita científica da New Scientist, tinha ficado em segundo lugar. Fiz um estágio na Seed, estive um ano e meio numa revista de Física em Bristol. Contactei todas as revistas menos a Wired. Tinha-a em tal consideração que achei que seria impossível. Mas depois foram eles que me contactaram.

Estás no Reino Unido desde os 18 anos. Como foi começar a fazer jornalismo numa língua que não é a tua?
Não conheço ninguém que esteja no estrangeiro a fazer jornalismo noutra língua. É raro. O Nabokov [escritor russo] disse que escrever em inglês era como atravessar uma floresta às escuras no meio da noite. Tive de esquecer a língua materna e foi uma travessia no deserto porque não se tem pontos de referência.

E agora? O que se segue depois da Wired?
Nos EUA há revistas que estão muito mais à frente de qualquer coisa que se faça na Europa. A New York Magazine, a Vanity Fair, a The Atlantic. São revistas que também praticam jornalismo imersivo, histórias de 8, 10, 12 páginas. A Wired dá-me espaço para fazer esse tipo de histórias e não há muitas mais que o façam.

Voltar para Portugal está nos teus planos?
Não faria sentido. Teria dificuldade em escrever em Portugal. Eu adoro o meu país, mas acho que não teria uma oferta tão atractiva.

Enquanto observador, como é que tens acompanhado a actual situação de Portugal?
Eu espero que não esteja como na Grécia. Estive aí, recentemente, e vi que uma parte da minha geração está finalmente a emancipar-se do marasmo geral. Há projectos bastante únicos e com sucesso. O principal problema do país é que existe um pessimismo quase militante. A maior parte das pessoas vive muito com o queixume, não sei se será contágio social. A recessão é relativa. É claro que não estou a falar de pessoas com dificuldades, mas não se pode estar à espera que algo aconteça por parte do Governo.

Então, qual seria a solução?
As pessoas têm de se tornar empreendedoras e tomar conta da própria vida. A nova riqueza é criada por pessoas, não pelos Governos. Veja-se Sillicon Valley. A lição é que este mercado digital é perfeitamente global e é no mercado digital que está a nova riqueza. Portugal tem capacidade e tem de começar a pensar em caminhos para sair da crise.

Incentivas quem te pede conselhos a sair? 
Eu adoro Portugal e acho que a nossa maneira de ser traz imensas vantagens. Eu tenho uma teoria: os portugueses dão-se muito bem cá fora, mas não se dão bem lá dentro. Acho que as pessoas devem sair, experimentar coisas diferentes, ver como o mundo funciona. Sair dois ou três anos não significa que não se volte. É preciso ter coragem para sair, não critico. Mas critico uma pessoa que acha que tem de ter direito de ter emprego no próprio país. É um mercado global.