A verdadeira Emma Bovary (entre outros achados dignos de um CSI)
Na galeria The Composites só entram personagens carismáticas da literatura: Brian Joseph Davis comprou uma ferramenta forense para criar retratos-robô, mas aqui não há lugar para os suspeitos do costume
Brian Joseph Davis começou “pelo lugar óbvio”, a estante lá de casa, de onde foi tirando as suas primeiras vítimas: protagonistas de obras carismáticas da literatura a que o artista e escritor canadiano decidiu dar uma cara, a partir das indicações mais ou menos abundantes fornecidas pelos autores.
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Brian Joseph Davis começou “pelo lugar óbvio”, a estante lá de casa, de onde foi tirando as suas primeiras vítimas: protagonistas de obras carismáticas da literatura a que o artista e escritor canadiano decidiu dar uma cara, a partir das indicações mais ou menos abundantes fornecidas pelos autores.
Da estante lá de casa à galeria “The Composites”, que lançou no Tumblr no início deste mês com as suas recriações a preto e branco de uma série de personagens míticas (da Emma Bovary de Flaubert à Aomame do “1Q84” de Murakami, passando pelo loiríssimo Sam Spade de “O Falcão Maltês”), foi apenas um passo. Mas um passo que teve a preciosa ajuda de uma ferramenta forense com cerca de dez mil elementos faciais à escolha, o “software” Faces ID, habitualmente usado na criação de retratos-robô de suspeitos de crimes.
Os suspeitos, aqui, não são os do costume – ainda que algumas das personagens recriadas por Brian Joseph Davis merecessem passar o resto das suas vidas imaginárias atrás das grades e que os métodos estejam muito próximos de um CSI. Nem são, sequer, como costumávamos achar que seriam: “Na maioria dos casos, foi o cinema que deu uma cara a estas personagens. Descobri que muitas pessoas ficaram incomodadas por a minha versão do Rochester [da ‘Jane Eyre’] não coincidir com o Michael Fassbender [que interpretou a personagem na última adaptação cinematográfica do livro]”, disse o autor à BBC.
Em poucas semanas, a galeria “The Composites” atingiu milhares de seguidores, e nem todos têm virado o polegar para cima – mas o projecto aceita reclamações e até já corrigiu alguns retratos-robô (foi o caso da Daisy Buchanan de “O Grande Gatsby”) depois dos reparos enviados por leitores mais escrupulosos.
O famoso Humbert Humbert
Por mais exaustivos que sejam os detalhes disponíveis acerca da fisionomia das personagens, a margem de erro é sempre considerável – Brian Joseph Davis confessou de resto ao site “The Atlantic” que os narizes e as orelhas são frequentemente negligenciados e que parte do seu trabalho consiste em “adivinhar”. Nomeadamente quando se trata das personagens de Cormac McCarthy (já desenhou uma, o Juiz Holden de “Meridiano de Sangue”): “Não se consegue fazer grande coisa com ‘Homem. Médio. Dois olhos’”.
Para já, o Humbert Humbert de Nabokov é a personagem mais popular, com um número-recorde de partilhas e 1.152 comentários. Mas agora que já esgotou a sua estante, Brian Joseph Davis aceita sugestões para os retratos-robô que se seguem, o que, acredita – e supomos que saiba do que fala, já que, além de escritor, é co-fundador da revista literária on-line “Joyland” –, é uma forma de “salvar a literatura dela própria”.
“A intensidade da resposta ao projecto por parte de fãs da literatura prova que as pessoas querem interagir com a ficção de formas novas – e há uma série de ferramentas para o fazer”, argumenta. Esta, mesmo que no final não salve a literatura, pode pelo menos reclamar o feito não menos heróico de ter apresentando ao mundo a verdadeira Madame Bovary.