A Constituição dos EUA já não é o que era
Talvez o mundo tenha mudado sem que os senhores do Supremo Tribunal dos EUA se tenham apercebido, por estarem demasiado envolvidos com o seu próprio umbigo (leia-se país)
De polícia do mundo a modelo de democracia representativa. Ou pela ordem histórica inversa. Generalizar é perigoso, mas é assim que os Estados Unidos da América (EUA) têm sido olhados pelas democracias “aliadas” um pouco por todo o lado, sobretudo depois da II Guerra Mundial. A “cortina de ferro” descrita por Winston Churchill ajudou a consolidar esta imagem, como o contrapeso legalista do “perigo” vindo de Leste, apesar dos seus muitos desmandos. Mas parece que já não é bem assim.
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De polícia do mundo a modelo de democracia representativa. Ou pela ordem histórica inversa. Generalizar é perigoso, mas é assim que os Estados Unidos da América (EUA) têm sido olhados pelas democracias “aliadas” um pouco por todo o lado, sobretudo depois da II Guerra Mundial. A “cortina de ferro” descrita por Winston Churchill ajudou a consolidar esta imagem, como o contrapeso legalista do “perigo” vindo de Leste, apesar dos seus muitos desmandos. Mas parece que já não é bem assim.
Um interessante artigo publicado recentemente no “New York Times” dá conta de que a Constituição dos EUA já não é o que era. Citando um estudo da revista “Time”, de 1987 – data do bicentenário do “We the People”, documento fundador da Nação americana –, o jornal escreve que, dos 170 países existentes à data, mais de 160 tinham, de alguma forma, decalcado os princípios fundamentais daquela Constituição. Duas décadas e meia depois, dois investigadores das universidades de Washington e da Virginia decidiram fazer novo estudo comparativo, tendo analisado 729 constituições adoptadas por 188 países entre 1946 e 2006.
Esta (nova) análise revelou 237 alterações substantivas aos direitos fundamentais dos cidadãos, no sentido do seu reforço. O modelo dos EUA ainda servirá, mas o facto de o “We the People” nunca ter sofrido qualquer alteração de vulto fez com que fosse ultrapassado por democracias mais progressistas, nomeadamente o Canadá, a África do Sul e a União Europeia.
A média mundial de revisão global de uma Constituição é de 19 anos. Em Portugal, a própria Constituição determina a sua revisão de cinco em cinco anos.
Na América, não é assim. Contudo, apesar da imutabilidade do documento básico da democracia norte-americana, desde 1787, o país não deixa de estar na linha da frente em termos sociais, tecnológicos, culturais ou militares… embora com defeitos (muitos defeitos), é certo: muitas vezes – demasiadas –, são vedados aos cidadãos o direito a viajar, à presunção de inocência, à educação ou aos serviços de saúde. E, em nome da segurança, a pérola: os EUA são das poucas democracias no mundo a permitir, sem qualquer restrição, o uso e posse de arma aos cidadãos! O que vai valendo é que a própria dinâmica da sociedade norte-americana (um riquíssimo “melting pot”) acaba por esbater este conservadorismo.
Talvez o mundo tenha mudado sem que os senhores do Supremo Tribunal dos EUA se tenham apercebido, por estarem demasiado envolvidos com o seu próprio umbigo (leia-se país). Talvez os norte-americanos ainda acreditem que são, de facto, o farol da democracia Ocidental e que, mais cedo ou mais tarde, os bons filhos a casa tornarão. Talvez achem que, pelo facto de estarem na mira de grande parte do mundo terrorista, devem manter-se entrincheirados nas suas convicções. Talvez. Mas, sendo o fio da História um ciclo de altos e baixos, se os seus responsáveis políticos não acordarem a tempo, os Estados Unidos da América correm o risco de se perderem no seu próprio labirinto.