O que ganha Portugal com a emigração de jovens qualificados?
Face a este cenário, nos últimos meses vários membros do Governo apresentaram aos jovens – principalmente aos mais qualificados – a emigração como solução para ultrapassarem estas dificuldades. É pois legítimo perguntar o que Portugal tem a ganhar com a emigração de jovens qualificados? Para responder a esta questão temos que nos debruçar sobre dois fenómenos: a “fuga” e a “circulação” de cérebros.
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Face a este cenário, nos últimos meses vários membros do Governo apresentaram aos jovens – principalmente aos mais qualificados – a emigração como solução para ultrapassarem estas dificuldades. É pois legítimo perguntar o que Portugal tem a ganhar com a emigração de jovens qualificados? Para responder a esta questão temos que nos debruçar sobre dois fenómenos: a “fuga” e a “circulação” de cérebros.
Os efeitos negativos da fuga de cérebros são bem conhecidos. Muitos estudos empíricos demonstram que o capital humano é o recurso mais valioso que um país possui, pois este promove a inovação, o empreendedorismo e a qualidade das Instituições e da Democracia. Assim sendo, a fuga de cérebros, ao diminuir o capital humano, reduz as possibilidades de crescimento de um país. Para além do mais, a fuga de cérebros representa um desperdício de fundos públicos visto que a educação em Portugal é na sua maioria gratuita. Ou seja, Portugal com os seus impostos subsidia a educação dos seus cidadãos, mas se estes emigrarem, quem beneficia do seu capital humano são os países de destino, sem estes terem gasto nada com a sua formação.
O Governo, por seu lado, argumenta que a emigração qualificada pode também trazer alguns ganhos, nomeadamente aqueles que resultam da circulação de cérebros. Ao emigrar, um indivíduo adquire conhecimentos, que (provalmente) não teria possibilidade de obter sem emigrar. Se mais tarde muitos destes emigrantes regressarem ou investirem em Portugal, a economia do nosso país vai beneficiar dos conhecimentos obtidos por estes no estrangeiro. Deste modo, a fuga de cérebros pode ser compensada por uma circulação de cérebros.
A sustentar esta hipótese está o caso do sector de tecnologias de informação em Bangalore na Índia, baseado em emigrantes daquele país que regressaram de Sillicon Valey nos EUA. Estes emigrantes usaram a experiência que obtiveram na meca das tecnologias de informação para desenvolver um cluster tecnológico em Bangalore que é actualmente um dos mais dinâmicos a nível mundial. É reconhecido que sem a emigração para os EUA, tal dificilmente teria acontecido.
Estas ideias encontram também eco no trabalho dos economistas Fréderic Docquier (Université Catholique de Louvain) e Hillel Rapoport (Harvard University). Estes, no entanto, demonstram que os países que têm uma taxa de emigração qualificada superior a 20% do total dos seus licenciados, os efeitos negativos da fuga de cérebros tendem a suplantar os efeitos positivos da sua circulação. Tal ocorre porque quando a percentagem de capital humano qualificado que emigra é tão expressiva, não falamos apenas de uma fuga de cérebros, mas sim de uma “hemorragia”, que é difícil de compensar por maior que seja a circulação de cérebros.
Infelizmente, Portugal encontra-se neste caso, pois segundo a OCDE, já antes da crise financeira de 2008, cerca de 20% da população Portuguesa com um curso superior trabalhava no estrangeiro. É de esperar que hoje em dia e devido à crise, a percentagem de emigração qualificada seja superior. De qualquer modo, note-se que mesmo este número é muito elevado quando comparado por exemplo com os 4,3% na Índia. De facto, Portugal encontra-se no top 25 dos países com maior fuga de cérebros, na companhia da Serra Leoa, da Somália, do Ruanda, do Afeganistão e de outros países em desenvolvimento.
Qual é a razão para esta grande fuga de cérebros no nosso país? O crescimento económico anémico de Portugal na última década pode apenas explicar parcialmente este fenómeno, visto termos uma emigração qualificada ao nível de países com maiores dificuldades económicas, sociais e políticas do que as nossas. O cerne do problema reside no facto de Portugal ter uma economia pouco dinâmica. Os sucessivos Governos agravaram esta situação ao se terem concentrado excessivamente na política de obras públicas, na protecção de monopólios e no favorecimento de uma clientela política. Como o Estado tem um peso muito elevado na nossa economia, isto contribui para criar um sector privado dual. De um lado temos uma mão-cheia de grandes empresas, modernas mas com fortes conivências com o poder político; do outro lado, uma infinidade de pequenas e médias empresas que por vezes operaram na sombra da economia informal e onde reinam as baixas qualificações, inclusive entre o patronato.
Se Portugal tivesse desenvolvido uma economia mais dinâmica, teríamos atraído mão-de-obra qualificada e promovido a inovação e o aparecimento de novas empresas. Como não foi esse o caso, antes pelo contrário, assistimos a uma estagnação da economia e à emigração do nosso capital humano. Caricaturando um pouco, quem desenvolve software informático atrai engenheiros; quem constrói estradas atrai trabalhadores da construção civil. Deste modo, a fuga de cérebros foi uma consequência do nosso modelo de desenvolvimento. Ou seja, muitos daqueles que não quiseram deitar fora o investimento de uma vida em educação (i.e.: “desperdício de cérebros”), emigraram. Do mesmo modo, se tudo se mantiver como antes, poucos dos nossos emigrantes qualificados terão incentivos a voltar ou a investir em Portugal, inviabilizando assim a desejada circulação de cérebros.
Em suma, o argumento da circulação de cérebros usado pelo Governo terá uma muito reduzida aplicação em Portugal. Primeiro, o país já tem uma taxa de emigração de trabalho qualificado tão elevada, que esta tenderá a neutralizar a circulação de cérebros. Segundo, com a continuação da crise, a emigração qualificada irá continuar, com ou sem apelos dos governantes. Por último, se o Governo estiver realmente interessado em captar os benefícios da circulação de cérebros, este tem que apostar na diversificação da estrutura produtiva e na diminuição dos interesses instalados na Economia Portuguesa para, deste modo, dar lugar ao capital humano português.
Armando Pires, professor associado na Norwegian School of Economics and Business Administration