Pedidos de ajuda de famílias em dificuldades quase duplicaram em Janeiro

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Desemprego é a principal razão dos casos de sobreendividamento Paulo Pimenta

Manuela (nome fictício) é funcionária pública. Separada e mãe de dois filhos menores, sobrevive, desde 2011, ao corte salarial imposto pelo Governo, que lhe retirou 300 euros ao orçamento mensal. Na carta que enviou à Deco, diz que quer honrar os compromissos financeiros, mas já não sabe como. Este é apenas mais um caso que bateu à porta da associação este ano, contribuindo para um aumento sem precedentes nos pedidos de ajuda por sobreendividamento.

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Manuela (nome fictício) é funcionária pública. Separada e mãe de dois filhos menores, sobrevive, desde 2011, ao corte salarial imposto pelo Governo, que lhe retirou 300 euros ao orçamento mensal. Na carta que enviou à Deco, diz que quer honrar os compromissos financeiros, mas já não sabe como. Este é apenas mais um caso que bateu à porta da associação este ano, contribuindo para um aumento sem precedentes nos pedidos de ajuda por sobreendividamento.

Em Janeiro, 2272 famílias em dificuldades contactaram a Deco, pedindo auxílio para lidar com os problemas financeiros postos a descoberto pela crise que o país atravessa. Trata-se de um aumento de 91,2% face ao primeiro mês de 2011 - período em que a associação recebeu 1188 contactos deste tipo. Até aqui, as subidas não tinham ultrapassado os 60%.

As cartas que chegam, todos os dias, ao Gabinete de Apoio ao Sobreendividado (GAS) não escondem a angústia. "Rogo-vos que tenham em atenção as minhas dificuldades e a vontade que tenho em poder honrar os meus compromissos", escreveu Maria, a funcionária pública. Além do empréstimo da casa, já está em falta com um crédito pessoal. O corte salarial, imposto a toda a função pública em 2011 e mantido este ano, pôs um travão aos planos da família, que também culpa "a subida extra do IVA" pela situação em que se encontra.

Natália Nunes, coordenadora do GAS, considera que esta é uma das justificações para a subida de 91,2% nos pedidos de ajuda à associação. "O ano começou com um forte aumento do custo de vida, da revisão da taxa do IVA à energia e aos transportes. Estas medidas contribuíram para agravar a condição financeira das famílias", disse ao PÚBLICO. Não é, porém, a única causa. O imposto extraordinário sobre o subsídio de Natal "retirou a possibilidade a muitas pessoas de equilibrarem totalmente as contas no final do ano", acrescentou.

O cenário será ainda mais dramático em 2012 e 2013 para os funcionários do Estado, que vão ficar sem os subsídios de férias e de Natal. E há ainda que contar com a subida da taxa de desemprego, que já chegou a 13,6% em Dezembro. É por todos estes factores que a coordenadora do GAS acredita que este ano "vai ser ainda pior do que 2011". "Olhamos para os dados macroeconómicos e, analisados os casos que nos chegam, tudo parece indicar esse caminho de agravamento das actuais dificuldades", anteviu Natália Nunes.

Há pessoas que chegam à associação já no limite, quando não há como dar a volta à teia de dívidas que criaram em seu redor, acumulando créditos atrás de créditos, sem rendimentos para lhes dar resposta. Estes casos, apesar de contarem como pedidos de ajuda de Janeiro, não são depois acompanhados pelos técnicos. É feito um filtro que os exclui, assim como às situações em que as dificuldades financeiras foram criadas pelas próprias famílias e não por factores que lhes são alheios ou em que já chegaram a tribunal, com acções de insolvência (ver texto secundário).

Por isso, dos 2272 contactos recebidos pela Deco no primeiro mês do ano, resultou a abertura de 451 processos, o que representou uma escalada-recorde de 79,7% face a 2010. Comparando com os números de 2008, o aumento chega a quase a 250%. Os motivos que levaram estas famílias até aqui têm-se mantido ao longo dos anos: o desemprego pesa 33,9% nas razões do sobreendividamento, seguindo-se a deterioração das condições laborais (25,7%) e a doença (13,2%).

"A instabilidade do mercado de trabalho tem sido sempre apontada como a principal justificação para as dificuldades financeiras, seja pela perda do posto de trabalho ou de direitos que a ele estavam associados. Há casos em que o vencimento deixou de ser pago, completa ou integralmente, ou em que desapareceram as comissões ou as horas extraordinárias", explicou a coordenadora do GAS. Mesmo a doença, a terceira causa com maior peso, tem alguma ligação à deterioração das condições laborais e à consequente fragilidade financeira. "Muitos dos casos estão relacionados com depressões, por exemplo", esclareceu Natália Nunes.

Sílvia (nome fictício) está a passar por um momento desses. Uma situação que descreve como "delicada" porque, além de desempregada, está "sobreendividada", assume na carta que fez chegar à Deco. Trabalhava numa multinacional, mas foi despedida e o subsídio acaba já em Março. "Restam apenas dois meses (...) e depois fico sem qualquer rendimento", escreveu. Mesmo agora, é-lhe difícil dar conta do recado, porque a prestação da Segurança Social é de 645,30 euros e as despesas mensais podem chegar a 800 euros, por causa da renda e de três créditos pessoais.

As famílias em dificuldades chegam de vários pontos do país, com maior incidência em Lisboa, que representou 44,3% dos processos abertos em Janeiro, seguida de perto pela Região Norte (30,2%). No ano passado, os casos de sobreendividamento eram protagonizados, sobretudo, por funcionários públicos, fruto dos cortes impostos nos salários do Estado. Mas, em 2012, estão a crescer os contactos de trabalhadores do sector privado. Estas famílias também foram afectadas pelo imposto extraordinário sobre o subsídio de Natal. E, além disso, estão a sentir na pele a instabilidade económica do país por via "da redução de rendimentos adicionais que iam conseguindo gerar", explicou Natália Nunes. Há casos de profissionais do privado que perderam o segundo emprego que lhes dava uma almofada extra para enfrentar a crise, por exemplo.

Insolvências de singulares disparam

As insolvências de particulares, que em 2005 representavam apenas 30,3% das falências judiciais em Portugal, ultrapassaram os processos relativos a empresas, no ano passado. Esta passagem de testemunho foi ganhando força face ao maior conhecimento que existe hoje sobre a possibilidade de recorrer aos tribunais e à deterioração das condições financeiras das famílias.

À medida que as próprias insolvências foram aumentando, tendo disparado 289% entre 2005 e 2011, os casos que afectam os devedores singulares acompanharam a subida. No ano passado, representaram 56,2% das falências judiciais, ultrapassando os processos de empresas. A viragem aconteceu em 2011, depois de, no ano anterior, os particulares terem registado um peso de apenas 36,3%.

Estes processos, que são regulamentados por uma lei que está em revisão (o código já foi aprovado no Parlamento, na generalidade), têm vindo a disparar, tendo chegado a praticamente 11 mil no ano passado - mais 17,1%. Trata-se de acções judiciais que, na maioria dos casos, estabelecem um prazo (no máximo, de cinco anos) para os particulares endividados pagarem as dívidas, sendo-lhes retirada, para tal, uma parte do salário.