Plasma português continua a ir para o lixo

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A incapacidade de armazenamento é o que dita a destruição do plasma Lara Jacinto/arquivo

O PÚBLICO teve acesso a documentos internos do Instituto Português do Sangue (IPS) segundo os quais milhares de unidades deste componente do sangue são inutilizadas por "incapacidade de armazenamento".

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O PÚBLICO teve acesso a documentos internos do Instituto Português do Sangue (IPS) segundo os quais milhares de unidades deste componente do sangue são inutilizadas por "incapacidade de armazenamento".

No Verão do ano passado, veio a público a notícia de que, apesar de o IPS dispor, em Lisboa, de câmaras de frio para conservar o plasma desde 2002, estas estavam a ser usadas como armazém para guardar, por exemplo, papéis, e este componente do sangue ia para o lixo, como noticiou em Junho o Jornal de Notícias.

Em Outubro, o então presidente do IPS, Álvaro Beleza, veio garantir que o problema tinha sido resolvido: "Todo o plasma português está a ser aproveitado. Iniciámos, há uma semana, o processo de inactivação, a pedido. Iremos fornecer plasma inactivado à Pediatria e à Oncologia, sempre que os hospitais nos solicitarem", disse na TSF.

Porém, a documentação interna a que o PÚBLICO teve acesso dá conta de cerca de 20 mil unidades inutilizadas só no mês de Outubro do ano passado nos três centros regionais do sangue (Lisboa, Porto e Coimbra), e valores da mesma ordem também em Dezembro do ano passado. Num dos mapas de produção, lê-se na coluna dos "componentes inutilizados" relativa ao plasma a razão para o não aproveitamento: "incapacidade de armazenamento". Cada bolsa tem entre 180 a 250 mililitros de plasma.

O actual presidente do conselho directivo do IPS (que vai passar a chamar-se Instituto Português do Sangue e da Transplantação), Hélder Trindade, responde, por email, apenas "que estão já neste momento armazenadas em Lisboa 22.300 unidades de plasma". "Também podemos dizer que há actualmente uma reserva à disposição dos hospitais de mais 900 unidades que cumprem com a segurança da quarentena", acrescentou. Questionado sobre a quantidade de plasma que ainda é desperdiçado, limita-se a responder: "Pode utilizar os números dos documentos que tem na sua posse".

O responsável acrescenta que, "para que todas as colheitas sejam aproveitadas, ministério e IPS estão a desenvolver os procedimentos necessários para a aquisição de viaturas equipadas, ou equipamentos para as já existentes, que permitam o transporte de plasma congelado entre regiões, com todas as garantias de qualidade e segurança".

Quando tal acontecer, garante, "todas as colheitas serão aproveitadas, não haverá desperdício". Questionado sobre quando serão adquiridas as viaturas, Hélder Trindade responde que "está em curso a avaliação dos sistemas de refrigeração que sejam mais adequados, não estando ainda aberto o procedimento. Não temos ainda uma previsão da data para aquisição das mesmas."

Confrontado com as declarações que fez em Outubro, onde afirmou "todo o plasma português está a ser aproveitado", o ex-presidente do IPS, Álvaro Beleza, esclarece, antes de mais, que saiu do cargo em Novembro. Quanto às suas afirmações, vem agora clarificá-las: afirma que, quando disse que "todo o plasma português está a ser aproveitado", referia-se ao que é consumido pelos hospitais, que era todo importado. "Os hospitais deixaram de ter que importar. Já é um passo". Até ao ano passado, Portugal mandava para o lixo todo o plasma separado do sangue.

Álvaro Beleza afirma que a maioria dos países ou escolhe exportar o seu plasma ou o fracciona para depois ser transformado em derivados (como por exemplo os factores de coagulação VIII e IX, que são usados no tratamento dos hemofílicos). "Portugal paga 30 milhões de euros pela importação de derivados de plasma", diz, notando que o plasma pode ser uma fonte de receita que abate na despesa.

Contas feitas, diz que Portugal produz com as suas dádivas de sangue 450 mil bolsas de plasma por ano, os hospitais apenas precisam de 90 mil por ano, "cerca de 350 mil é o que sobra". "Saí há três meses, esta quantidade continuava a não se aproveitar", admite. Segundo dados fornecidos por Hélder Trindade, Portugal "necessitará aproximadamente de cerca de 75 mil bolsas de plasma por ano".

Álvaro Beleza declarou também, na altura, que se esse plasma de que Portugal não precisa começasse a ser exportado poderia render ao país "seis milhões de euros". Comentando estes números, Hélder Trindade diz que "os 6 milhões de euros penso que teriam sido referidos como exemplo possível, meta que só poderá ser atingida com uma avaliação cuidada da planificação em curso".

Para que a exportação aconteça é preciso haver "um concurso internacional. Eu deixei o processo pronto, fiz a minha parte. É uma questão administrativa e uma decisão política", junta Álvaro Beleza.

Notícia actualizada às 15h02 com versão na íntegra da notícia divulgada na edição impressa do PÚBLICO desta segunda-feira.