Design do Dia-a-Dia: Affordances. Na Cidade e nas Serras

“A Cidade e as Serras”, "Tempos Modernos" e “O meu Tio” colocam satiricamente em perspectiva a dependência conflituosa entre o homem urbano e o meio ambiente por si criado

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Suma ciência x Suma potência = Suma felicidade. A personagem que Eça de Queiroz criou para satirizar um estilo de vida moderno e hedonista na Cidade, o Jacinto, modela toda a sua existência parisiense sob esta equação. O homem civilizado, e por conseguinte feliz, é por este entendido como sendo intelectualmente superior, valendo-se da miríade de "gadgets" imprescindíveis a um dia-a-dia asséptico, abreviando o esforço físico e toda e qualquer reminiscência do mundo natural.

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Suma ciência x Suma potência = Suma felicidade. A personagem que Eça de Queiroz criou para satirizar um estilo de vida moderno e hedonista na Cidade, o Jacinto, modela toda a sua existência parisiense sob esta equação. O homem civilizado, e por conseguinte feliz, é por este entendido como sendo intelectualmente superior, valendo-se da miríade de "gadgets" imprescindíveis a um dia-a-dia asséptico, abreviando o esforço físico e toda e qualquer reminiscência do mundo natural.

“Só o fonógrafo... me faz verdadeiramente sentir a superioridade de ser pensante e me separa do bicho.”

Do fonógrafo ao telefone, do conferençofone ao teatrofone, vários são os apetrechos assumidos por Jacinto como “providenciais”.

“A Cidade e as Serras” (1901) de Eça, à semelhança dos registos cinematográficos "Tempos Modernos" (1936) de Charlie Chaplin e “O meu Tio” (1958) de Jacques Tati, coloca satiricamente em perspectiva a dependência conflituosa entre o homem urbano pós revolução industrial e o meio ambiente por si criado que, pese embora almeje um estado civilizacional mais avançado, resultante de equívocos no diálogo homem-máquina, parece promover o caos e a desventura...

Termo cunhado pelo psicólogo James Gibson em 1977 no artigo “The Theory of Affordances”, popularizado por Donald Norman nos anos 80 no livro “The Design of Everyday Things”, a “Affordance” é um conceito perceptual que define pistas/providências sobre o correcto funcionamento de um dispositivo. Do imaginário teatrofone de Jacinto ao contemporâneo i-Pad.

O desenho/design dos objectos do dia-a-dia confere boas ou más “affordances”. A luva cuja forma, composta pelos diferenciados cinco dedos de uma mão humana, proporciona “affords” para apreender rápida e eficazmente como usá-la, em contraponto com um tipo de portas USB cujo desenho rectangular simétrico sugere, inadvertidamente, a utilização do dispositivo no computador de duas formas.

A páginas tantas, sobre o arrancador de penas velhas, o raspador de emendas, e os outros apetrechos que colavam estampilhas, imprimiam datas, derretiam lacres, cintavam documentos… Jacinto sucumbe e declara: “É uma seca. Com as molas, com os bicos, às vezes magoam, ferem… Já me sucedeu inutilizar cartas por as ter sujado com as dedadas de sangue. É uma maçada!”.