Cavaco Silva "abriu caminho" à ofensiva ao Estado Social, acusa Manuel Alegre

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Alegre diz que Cavaco fez "declarações infelizes [sobre a sua pensão] num momento em que provavelmente se esqueceu de que era Presidente da República". Nuno Ferreira Santos

"O Presidente da República, com o discurso que fez na tomada de posse, abriu caminho para a dissolução da Assembleia da República e isso foi a primeira concretização de algo que eu tinha anunciado durante a minha campanha [presidencial, em que defrontou Cavaco Silva]", diz Manuel Alegre, a propósito da reeleição de Cavaco Silva, faz hoje um ano.

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"O Presidente da República, com o discurso que fez na tomada de posse, abriu caminho para a dissolução da Assembleia da República e isso foi a primeira concretização de algo que eu tinha anunciado durante a minha campanha [presidencial, em que defrontou Cavaco Silva]", diz Manuel Alegre, a propósito da reeleição de Cavaco Silva, faz hoje um ano.

"Eu avisei que poderia haver uma dissolução da Assembleia, formação de uma maioria de direita e esta maioria de direita iria aplicar o seu programa próprio, que é o de uma ofensiva contra o Estado Social, Serviço Nacional de Saúde, sistema público, leis laborais, serviço de Segurança Social, políticas de austeridade, sem uma perspectiva de crescimento e de emprego. Portanto, nesse primeiro discurso, o Presidente da República abriu caminho para isso. E durante bastante tempo esteve colado a esse cenário de uma maioria, um Governo, um Presidente, que eu alertei também que iria acontecer", sublinha o histórico socialista.

Porém, acrescenta, "a partir de certa altura, o Presidente começou a demarcar-se, nomeadamente quando criticou a escolha de uma categoria profissional, os funcionários públicos, para serem objecto de cortes nos seus salários, pensões e sobretudo subsídios. E chegou a afirmar que se tratava de uma quebra de equidade, que colide com o que está inscrito na Constituição". "Isso foram palavras, mas muitas vezes os actos não correspondem às palavras", acrescenta Manuel Alegre.

Questionado sobre as recentes declarações de Cavaco Silva sobre as suas pensões, Manuel Alegre disse não querer "fazer grandes comentários", por ter defrontado o PR nas últimas eleições e por considerar que foram "declarações infelizes num momento em que provavelmente o Presidente se esqueceu de que era Presidente da República".

Sobre o primeiro ano do mandato de Cavaco Silva, o ex-candidato presidencial reconhece que o chefe de Estado tem tido "uma preocupação": "Por um lado, sublinhar que é necessário consolidar as finanças públicas, por outro lado, que é imprescindível pôr em prática políticas de crescimento e de emprego." "E isso tem tornado o discurso do Presidente um pouco diferente do discurso do Governo", sublinha.

Mas para Manuel Alegre persiste a grande incógnita em relação ao segundo mandato de Cavaco Silva, que é a forma como se comportará em relação "àquilo que foi a polémica principal" durante a campanha eleitoral de há um ano. Manuel Alegre lembra que nessa campanha sublinhou que a democracia portuguesa, "tal como está inscrita" na Constituição, "estava em risco”.

"Vamos a ver o que o Presidente faz para defender uma Constituição que jurou cumprir e fazer cumprir. Porque aquilo que este Governo tem feito vai no sentido de desmantelar a democracia tal como ela está inscrita na Constituição da República. O Governo tem uma estratégia de privatizações, de desmantelamento do Estado Social, da austeridade sem uma luz ao fundo deste muro que nos puseram à frente e de empobrecimento do país. É um primeiro-ministro que anuncia o empobrecimento do país, o que é uma coisa extraordinária", diz Manuel Alegre. "É uma situação em que o Presidente tem de ter um papel não só de tubo de escape mas de grande vigilância e de grande equilíbrio", acrescenta.

Para Manuel Alegre, "o capitalismo tem sido compatível com o estado de direito e as liberdades, mas tal como existe, como está a existir no mundo, na Europa e aqui em Portugal já começa dificilmente a ser compatível com uma democracia equilibrada. E uma democracia muito virtual, muito reduzida às suas formalidades é uma democracia esvaziada de sentido e de conteúdo".