Cirurgiões estão a substituir implantes a "preço de custo"
Se muitas respiraram de alívio, outras receberam a confirmação de que os implantes eram da marca francesa PIP, envolvida na polémica pela falta de qualidade do gel de silicone usado no seu fabrico e por um maior risco de ruptura. Os especialistas ouvidos pelo PÚBLICO garantem estar a substituir os implantes "a preço de custo" mesmo quando estes não apresentam problemas. Cobram apenas pelas novas próteses sem contabilizar os custos do procedimento e os honorários médicos.
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Se muitas respiraram de alívio, outras receberam a confirmação de que os implantes eram da marca francesa PIP, envolvida na polémica pela falta de qualidade do gel de silicone usado no seu fabrico e por um maior risco de ruptura. Os especialistas ouvidos pelo PÚBLICO garantem estar a substituir os implantes "a preço de custo" mesmo quando estes não apresentam problemas. Cobram apenas pelas novas próteses sem contabilizar os custos do procedimento e os honorários médicos.
"Depois de tudo o que tem vindo a ser dito e escrito, elas querem ver-se livres daquilo. Temos de compreender", conclui Vítor Fernandes, presidente do Colégio da Especialidade de Cirurgia Plástica, Reconstrutiva e Estética da Ordem dos Médicos.
Na segunda semana de Janeiro, o cirurgião plástico Celso Cruzeiro retirou 20 implantes da marca francesa PIP a dez das cerca de 100 pacientes que receberam estas próteses na sua clínica privada, em Coimbra. O mesmo responsável tem já agendadas seis cirurgias para a próxima semana no serviço hospitalar que dirige, da unidade de Queimados e Cirurgia Plástica do Centro Hospitalar da Universidade de Coimbra e onde terão sido usadas cerca de 300 próteses entre 2000 e 2010 (ano em que a fraude foi desmascarada e as próteses retiradas do mercado).
A Direcção-Geral de Saúde e a Autoridade Nacional para o Medicamento (Infarmed) definiu que as doentes atendidas no SNS (já foram notificadas complicações em, pelo menos, dez mulheres) terão a remoção e substituição gratuita [as autoridades de saúde disponibilizam-se para a remoção de todas as próteses PIP com problemas, independentemente de estas terem sido colocadas no sector privado ou público, mas a colocação de novas próteses no SNS é feita apenas a mulheres que foram atendidas no SNS, num procedimento que custa ao Estado 1300 euros]. Já as mulheres atendidas no consultório privado de Celso Cruzeiro deverão beneficiar de um preço "solidário", pagando apenas as novas próteses sem ter de suportar o custo dos honorários médicos. "Tenho sido procurado por mulheres preocupadas e confusas. Há esta ansiedade por causa das notícias e depois até já há as dores que vêm de todo o lado", refere, contabilizando que nesta altura mais de 50% da sua actividade "é dedicada a PIP".
Carlos Pires, cirurgião em Lisboa, foi aos seus ficheiros procurar as mulheres em quem pôs próteses PIP e chegou até 24 casos "entre os milhares" de implantes que colocou entre 2002 e 2007. Diz ter negociado as próteses de substituição com os fornecedores, "que aceitaram diminuir a margem de lucro", e baixou os honorários para um nível simbólico pela razão de que não o fazer significaria "assumir uma culpa" que não tem. Numa situação de comprovada incapacidade de uma paciente sua para pagar, predispõe-se mesmo a assumir os custos. Até agora retirou três pares, que estavam "intactos".
José Apleton, cirurgião na CUF Descobertas (em Lisboa), não precisou de ir aos ficheiros. "Nunca usei estas próteses. Tinha uma relação comercial com os fornecedores de outras marcas e, na altura, não me importou que [as PIP] fossem um pouco mais baratas. Tive algum factor sorte". O médico nota que recebeu "centenas de telefonemas e emails " de mulheres. "Queriam saber a marca que usei. "Descanse-me senhor doutor", diziam-me". Apesar de não ter usado PIP, o médico disponibiliza-se a receber qualquer mulher que por algum motivo - o cirurgião que lhe colocou os implantes PIP já não exerce ou a cirurgia foi feita noutro país - precise de uma consulta.
Vítor Fernandes também não recorreu a implantes PIP, mas tem duas cirurgias marcadas para mulheres que colocaram os implantes desta marca no estrangeiro. Mesmo tendo em conta que não foi ele a fazer o procedimento original, as mulheres vão beneficiar de uma "atenção à situação". "Neste caso, não cobro os honorários normais", garante. O preço médio de um par de próteses mamárias (sem contar com os custos do procedimento e honorários) ronda os mil euros. José Apleton fala na "aldrabice do francês", Celso Cruzeiro na "fraude" e Vítor Ferreira prefere a expressão "houve um crime". São reacções ao facto de o proprietário da empresa francesa ter usado gel de silicone industrial (impuro e cerca de dez vezes mais barato do que o gel de grau médico que tem de ser usado nestes dispositivos) para o fabrico das próteses PIP. Aliás, os médicos fazem questão de sublinhar que a causa do problema mora no Sul de França, mais precisamente na ilegalidade cometida pelo fabricante. "Os médicos limitaram-se a usar um dispositivo produzido na Europa e que tinha autorização do Infarmed. Eram próteses perfeitamente legais", refere Vítor Fernandes. "Tinha confiança no produto, gostava do resultado destas próteses e agradavam-me ao toque e manuseamento. O preço não é critério de qualidade. Aliás, elas eram inicialmente mais baratas, mas depois não havia tanta diferença. Hoje, constato que encontro um índice de ruptura maior [a DGS fala num risco de ruptura 5,5 vezes superior]", justifica Celso Cruzeiro, que durante uma década usou cerca de 100 próteses PIP na clínica privada.
Mas, sendo certo que os problemas com estes implantes não podem ser ignorados, os médicos denunciam o exagero e alarmismo associado a esta polémica. "Não está provada qualquer relação entre estes implantes e casos de cancro nas mulheres que os colocaram", repetem em coro. "Dizer que estas próteses eram carcinogénicas é uma coisa completamente estúpida", reage ainda Vítor Fernandes. "É preciso pôr alguma água na fervura", remata Apleton.