O duplo retorno de Fernando
Ao contrário de tantas histórias de jovens retornados de África nos anos 70, a experiência de Fernando não foi traumática. Não teve de ficar num hotel pois tinha familiares em Trás-os-Montes
Fernando Carvalho, 51 anos, fez um duplo retorno. Estava em Moçambique quando, em Junho de 1974, aos 13 anos, regressou a Portugal — era pouco mais novo do que Rui, a personagem de "O Retorno". Em 2007, retornou a Maputo, onde vive e trabalha hoje como conselheiro económico da Embaixada e delegado da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP).
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Fernando Carvalho, 51 anos, fez um duplo retorno. Estava em Moçambique quando, em Junho de 1974, aos 13 anos, regressou a Portugal — era pouco mais novo do que Rui, a personagem de "O Retorno". Em 2007, retornou a Maputo, onde vive e trabalha hoje como conselheiro económico da Embaixada e delegado da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP).
Este regresso à terra onde cresceu, contudo, foi "um mero acaso profissional", explicou ao P3 numa conversa telefónica. Não há nele a nostalgia própria dos chamados "retornados". "Nunca gostei daquele sentimento de saudosismo e de amargura e, simultaneamente, arrogância e desprezo pelo país que os acolheu", sublinha.
A primeira impressão que teve ao chegar foi de "algum deslumbramento": "A primeira imagem que tenho presente é a do Tejo em frente ao Restelo, em Lisboa, vista das escadarias do actual Ministério da Defesa, na altura Ministério do Ultramar, onde a minha mãe teve de se apresentar por ser funcionária pública".
Ao contrário de tantas histórias de jovens retornados de África nos anos 70, a experiência de Fernando não foi traumática. Não teve de ficar num hotel pois tinha familiares em Trás-os-Montes. Não se recorda de ter sido estigmatizado, ao contrário de Cláudia Videira, que já nos anos 90 chegou a enfrentar "algumas" situações "desagradáveis". E mesmo a despedida de Lourenço Marques foi um "até já" de quem parte só de férias e volta em breve. Fernando não trouxe "nada de especial" na bagagem.
Não se sentir um retornado
"Quando vim para Portugal, não se tratava de um regresso, mas sim de umas férias com os meus pais e irmãos que nesse ano vinham para a faculdade. As férias, por circunstâncias várias, transformaram-se em estada definitiva", conta. No ano lectivo de 1974/1975, Fernando já ficou a estudar numa escola em Bragança.
Fernando ficou a viver com os tios em Bragança enquanto os pais "reorganizavam a vida". Ao contrário do Porto, onde havia um "constante carpir de mágoa", em Bragança as crianças estavam longe da "agitação social que marcava o dia a dia nas cidades". Não havia bares ou discotecas e a vida fazia-se entre a escola e a casa. Talvez por todo esse contexto, a combinação das férias com o meio rural, e a estadia provisória que se tornou definitiva, "nunca" se sentiu "um retornado".
A adaptação inicial foi fácil porque estava de férias, avalia Fernando. "Era Verão, os dias eram longos, havia novos amigos e primos a conhecer, paisagens novas a descobrir, frutos novos para provar e andar de burro era uma animação." São memórias "boas". É claro que, quando foi informado pelos pais de que não regressaria a Moçambique, houve a "tristeza de muito provavelmente não voltar a ver amigos e lugares". Mas a novidade das aldeias transmontanas "suplantou essa tristeza", garante.