Só deve rir o espectador

O equivalente moderno do riso em "off" ? São os sorrisos e olhares entre os actores de uma "sitcom", que conseguem ser ainda mais irritantes do que o seu predecessor

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ABC

A "sitcom" é um dos géneros televisivos que mais desperta emoções fortes. Acompanhamos as vidas das personagens e, como tal, vamo-nos afeiçoando a elas. Ao contrário dos dramas, nunca temos de nos preocupar que as situações de que gostamos sejam ameaçadas por conflitos, mortes ou outras intrusões da vida real.

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A "sitcom" é um dos géneros televisivos que mais desperta emoções fortes. Acompanhamos as vidas das personagens e, como tal, vamo-nos afeiçoando a elas. Ao contrário dos dramas, nunca temos de nos preocupar que as situações de que gostamos sejam ameaçadas por conflitos, mortes ou outras intrusões da vida real.

Os problemas começam quando quem faz a série começa a demonstrar o afecto, por situações e personagens, que quer suscitar no público. Um exemplo básico disto são as famosas gargalhadas em voz "off", uma espécie de auto-congratulação imediata. Curiosamente, o actor Stephen Fry já mencionou que, na televisão britânica, esses risos pertencem sempre a uma audiência de estúdio e nunca são produzidos por uma máquina - o que pode até ser pior, pois leva a pensar que as pessoas exageram nas gargalhadas para poderem ser identificadas pela família quando o programa vai ao ar.

Pior do que o riso do público, para mim, são os sorrisos dos actores. Tomemos como exemplo “Cougar Town”, uma série bastante melhor do que se poderia pensar, tendo em conta o nome e a presença de Courteney Cox como personagem principal. O grande ponto forte são as suas personagens, excêntricas, carismáticas e genuinamente engraçadas. Infelizmente, realizadores e guionistas não parecem dispostos a deixar que nós descubramos isso por nós; e, assim, cada piada é pontuada pelos sorrisos calorosos do elenco, cada tique é realçado por um olhar que diz "és tão parvo... e é por isso que gostamos de ti!" e cada "punchline" tem acompanhamento musical com guitarra acústica. "Cougar Town" passa tanto tempo a dar os parabéns a si mesmo que o riso do espectador parece redundante.

Os maneirismos, as neuroses, as diversas falhas de carácter das personagens de "sitcom" devem ser elementos enternecedores - para o espectador! Para as outras personagens, devem ser uma causa de irritação constante porque isso é que é engraçado. Meter uma ronda de sorrisos e uma troca de olhares cúmplices após cada comentário indicaria, supostamente, que estamos perante pessoas que gostam umas das outras; mas é demasiado automatizado, cheira a fórmula. "Cougar Town" não é a única série a abusar destas formas preguiçosas de evocar afecto - "Friends" e "How I Met Your Mother" são outros exemplos notáveis.

Enquanto isso, ambientes como o estúdio do "30 Rock", a sala de estudo de "Community" ou mesmo "aquele bar" do "Cheers" estão recheados de pessoas que andam constantemente aos berros e à pancada... e, por isso mesmo, os momentos de afeição têm mais impacto. Afinal de contas, quem é que está sempre bem com aqueles que ama?

No início desta crónica falei dos risos em "off". É um hábito caducado, ainda bem que já não se vê muito. Mas não posso dizer que me irrite quando estou a ver clássicos como "Os Marretas" ou "Uma Família Às Direitas" - o riso do público perante cada fala é compensada pelos olhares de pânico, raiva e exaustão das outras personagens.