“Silva Carvalho usou a Maçonaria para um projecto de ambição pessoal”, diz Anes
Anes, que se apresenta como padrinho de Silva Carvalho no seio da organização maçónica, acusa o ex-chefe dos Serviços de Informações Estratégicas de Defesa de ter desenvolvido a loja Mozart em função desse objectivo, convidando pessoas ligadas a vários sectores do poder político e económico e da segurança.
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Anes, que se apresenta como padrinho de Silva Carvalho no seio da organização maçónica, acusa o ex-chefe dos Serviços de Informações Estratégicas de Defesa de ter desenvolvido a loja Mozart em função desse objectivo, convidando pessoas ligadas a vários sectores do poder político e económico e da segurança.
“Ele tomou conta da loja Mozart”, uma célula já antiga da Grande Loja Regular, mas que se encontrava adormecida. Tinha “as colunas abatidas”, como se diz na linguagem maçónica. Silva Carvalho “levantou as colunas” da loja Mozart, para, segundo Anes, a colocar ao serviço do seu projecto. Convidou as pessoas adequadas e pôs em funcionamento o seu plano “de ambição desmesurada”, sem escrúpulos de “usar instituições do Estado em benefício dos seus interesses pessoais e privados”, acrescentou Anes, referindo-se designadamente à transmissão de informações confidenciais dos serviços secretos à empresa Ongoing. “Mas há outras coisas”, disse ainda o padrinho de Silva Carvalho, sugerindo que haverá acções ilegais do ex-director do SIED por revelar.
Há cerca de seis anos, foi José Manuel Anes, professor universitário, criminalista e presidente do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT), que convidou Jorge Silva Carvalho para a Maçonaria. “Ele pediu para ser convidado”, contou Anes que, na altura, instaurou o processo de inquérito normal para o acesso de novos irmãos.
“Ele era uma pessoa séria, humilde e excelente profissional”, era a impressão que Anes tinha de Carvalho, confirmada pelo inquérito elaborado por dois irmãos designados para o efeito. José Manuel Anes conhecia o candidato “dos meios da defesa e segurança” e da revista Segurança e Defesa, a que ambos pertenciam (e pertencem).
Segundo a tradição maçónica, o iniciado tem o dever de prestar informações e pedir conselhos ao seu padrinho (que o convidou). Mas Silva Carvalho cedo deixou de cumprir essa obrigação. “Pelo contrário”, diz Anes. “Ele maltratou o padrinho, dentro e fora da Maçonaria, e começou a fazer o contrário do que eu lhe dizia”.
Há cerca de três anos, segundo Anes, era já notório que havia “uma evolução preocupante” na loja Mozart. Tinha muitos mais elementos do que os normais 20 ou 30 de uma loja maçónica, e fazia rodear as suas reuniões de um “inabitual secretismo”.
“Há um princípio na Maçonaria segundo o qual os elementos de qualquer loja podem assistir às reuniões de outras lojas. Isso não acontecia com a loja Mozart.” O próprio José Manuel Anes tentou fazer-se convidado para essas reuniões, sem êxito. E ainda menos foi convidado para os jantares e encontros que se realizavam em restaurantes e hotéis depois das reuniões propriamente ditas. É nesses encontros mais informais, chamados Ágape, que se discutem assuntos mais prosaicos, relacionados com a política e a economia concretas e actuais.
Desconfiado dos verdadeiros propósitos desses encontros, José Manuel Anes alertou para isso as autoridades maçónicas, nomeadamente o grão-mestre. Mas nada foi feito. “O assunto foi muito falado, mas não passou disso. Eu não avancei com uma queixa porque tive medo que isso fosse visto como um problema pessoal.”
A má-língua e as rivalidades pessoais são frequentes na Maçonaria, admite Anes. Mas há também a justiça maçónica. “Um caso como este deveria ter sido investigado no seio da organização e, mediante os resultados, conduzir eventualmente a uma suspensão ou expulsão.”
“Eu sinto-me responsável por ele, mas ele vampirizou o projecto”, queixa-se José Manuel Anes, ressalvando no entanto que nem todos os elementos da loja Mozart estariam implicados nas actividades ilícitas, como o tráfico de influências. “Há lá pessoas que conheço bem e que sei que são honestas.” E “a Maçonaria não deve ser acusada, no seu todo, porque estas coisas não poderiam acontecer se houvesse transparência no funcionamento de todas as lojas”.
Mas a verdade é que, ainda na opinião de Anes, “este caso vai fortalecer a imagem da Maçonaria”. Toda a controvérsia criada levará a um “reforço do poder simbólico” da organização. Talvez porque as pessoas, apesar de (ou devido a) todo o secretismo e informação errónea, ficam com a noção de que o “espírito de entreajuda” maçónico funciona realmente. Conclusão de José Manuel Anes: “Prevejo um grande afluxo de entradas na maçonaria.”
António Neto da Silva, fundador da Mozart e primeiro venerável da loja maçónica, confrontado com as declarações de Anes, afirmou apenas que “nada disso tem qualquer base de verdade”.
Contactado pelo PÚBLICO, Trovão do Rosário, que foi grão-mestre da Grande Loja Regular entre 2004 e 2007, afirmou que durante aquele período a loja Mozart não suscitou qualquer suspeita. “Não me lembro sequer de qualquer comentário acusatório”, disse. “A Mozart era uma loja como as outras. A não ser assim, teria ocorrido alguma situação de confronto”, explicou. Trovão do Rosário sublinhou ainda não compreender a afirmação de José Manuel Anes sobre o elevado número de elementos da Mozart, notando que “o número de membros é extremamente flutuante”.
Notícia actualizada às 16h41