Austeridade induz aumento da desigualdade em Portugal

Foto
Eem períodos recessivos a população com rendimentos mais baixos tende a ser mais afectada Daniel Rocha

Em Portugal, o índice de Gini - o indicador mais usado para medir a forma como é feita a distribuição do rendimento numa economia - registou, entre 2004 e 2009, uma diminuição permanente. De 38,1% em 2004 passou para 33,7% em 2009 (100% representa a total desigualdade na distribuição de rendimento, zero a total igualdade). Não existem ainda dados disponíveis para 2010, no entanto há fortes expectativas de que, ao fim de cinco anos de descidas, se tenha assistido a uma inversão da tendência.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Em Portugal, o índice de Gini - o indicador mais usado para medir a forma como é feita a distribuição do rendimento numa economia - registou, entre 2004 e 2009, uma diminuição permanente. De 38,1% em 2004 passou para 33,7% em 2009 (100% representa a total desigualdade na distribuição de rendimento, zero a total igualdade). Não existem ainda dados disponíveis para 2010, no entanto há fortes expectativas de que, ao fim de cinco anos de descidas, se tenha assistido a uma inversão da tendência.

"O ano de 2009 vai representar o fim de um ciclo de redução da desigualdade em Portugal. Temo que, desde 2010, o fosso na distribuição de rendimento esteja de novo a agravar-se", afirma Carlos Farinha Rodrigues, professor do Instituto Superior de Economia e Gestão e um dos principais estudiosos em Portugal do fenómeno da pobreza e da forma como se distribui a riqueza.

São dois os grandes motivos. O primeiro é o facto de Portugal estar a atravessar um novo período de contracção económica acentuada. A história mostra que, em períodos recessivos, a população com rendimentos mais baixos tende a ser relativamente mais afectada. Foi o que aconteceu em Portugal, por exemplo, em 2003. Mas, para além disso, desta vez, as medidas adoptadas pelos governos para reduzir o défice público podem estar a agravar ainda mais a situação. É o que defende Carlos Farinha Rodriques. "Em Portugal, nos últimos anos, a redução da desigualdade foi feita com base na política social, com medidas como o Rendimento Social de Inserção. Mas, a partir de 2010, opções como a alteração nas provas de condição de recursos traduziram-se numa diminuição da capacidade do RSI diminuir a desigualdade", exemplifica.

Mais pobres mais afectados

Um estudo publicado pela direcção de Emprego, Assuntos Sociais e Inclusão da Comissão Europeia veio recentemente trazer dados novos sobre esta questão. O trabalho-- intitulado The distributional effects of austerity measures: a comparison of six EU countries - avalia o impacto potencial sobre o rendimento das medidas de austeridade aplicadas, entre 2008 e Junho de 2011, por seis países europeus que atravessam crises orçamentais - Portugal, Grécia, Irlanda, Estónia, Reino Unido e Espanha.

Portugal garante, nessa análise, um lugar de grande destaque. Como afirma o estudo, "é o único país com uma distribuição claramente regressiva, com perdas percentuais que são consideravelmente maiores no primeiro e segundo decis de rendimento do que em níveis mais elevados". Ou seja, é o único país dos seis analisados onde as medidas de austeridade foram mais fortes para os mais pobres do que para os mais ricos. Segundo o estudo, os 20% mais pobres sofrem, com as medidas consideradas, uma redução de 6,1% no seu rendimento, enquanto os mais ricos perdem 3,9%.

O estudo, por usar informação anterior a Junho de 2011, apenas considera, no caso português, medidas aplicadas pelo anterior governo, liderado por José Sócrates. Ainda assim, o actual Governo já adoptou também medidas, como o corte de benefícios sociais ou o agravamento do IVA, que, segundo a metodologia usada no estudo, apontariam para uma distribuição regressiva do rendimento. Ambos os governos sempre garantiram que, nas suas políticas, as camadas mais frágeis da população seriam poupadas.

Nem todos retiram deste estudo publicado pela Comissão Europeia a conclusão de que a desigualdade em Portugal está inevitavelmente a aumentar. Miguel Gouveia, professor da Faculdade de Economia da Universidade Católica, diz que "o impacto global desta crise sobre a desigualdade só vai ser conhecido a posteriori e ainda pode demorar muito tempo". "Penso que o estudo avalia apenas os efeitos mecânicos das medidas tomadas, o que pode conduzir a uma sobreavaliação do efeito nos grupos de rendimentos mais baixos", afirma, assinalando que "há argumentos para os rendimentos mais baixos caírem, mas também os há para os rendimentos mais altos". E dá um exemplo: "Algumas das fontes de rendimento dos mais ricos, como a bolsa, têm vindo a diminuir de forma significativa durante esta crise."

Carlos Farinha Rodrigues assume que alguns desses efeitos podem ser de facto sentidos, mas assinala que não é esse o facto que está por trás das maiores transformações nos níveis de desigualdade em Portugal. "O corte nos rendimentos dos mais ricos pode contrabalançar em parte, mas a redução da desigualdade tem sido feita por via de um aumento do rendimento dos mais pobres e, esse, pode ter chegado ao fim", explica.

Também Alfredo Bruto da Costa, presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz e ex-presidente do Conselho Económico e Social, faz questão de não minimizar os resultados obtidos pelo estudo. "Embora possa ter alguns pontos fracos, é uma primeira avaliação sobre o impacto da crise nos indicadores de desigualdade. E como primeira avaliação penso que mostra qualquer coisa de extremamente grave." Bruto da Costa assinala ainda que "vem desmentir aquilo que os nossos governantes têm vindo a repetir, que as camadas mais desfavorecidas estão a ser protegidas, e vem confirmar a ideia de que as classes mais ricas estão a ser poupadas em termos relativos". "É um aviso muito grande. Se continuarmos assim, vamos chegar ao fim da crise com uma desigualdade maior do que aquela com que começámos", afirma.