Smile Sessions

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Seria mais proveitoso gozar o estatuto do disco perdido mais importante da história da música, deixar toda a gente a salivar e a imaginar as hiperbólicas construções musicais que estariam fechadas a sete chaves e que seriam sempre mais deslumbrantes e celestiais na cabeça de quem as imaginava do que num reles disco que viesse a chegar às lojas, encaixotado como os outros, a ter de disputar espaço nas prateleiras com as novidades da estação que todo o/a adolescente terá o bom senso de enfiar envergonhadamente na sua memória assim que lhes despontarem os primeiros pêlos. Nessa perspectiva, a edição de "Smile" é não menos do que uma heresia. É da ordem do criminoso trocar o sonho do disco mais importante para a Humanidade por duas rodelas de plástico que se riscam e estragam como as demais. A parte boa - porque tratando-se de Brian Wilson em 1967 ela teria sempre de existir em doses cavalares - é que "Smile" cumpre com tudo o que se poderia esperar. Claro que Wilson esconde-se atrás do argumento de que esta edição é um apanhado das sessões de gravação para o álbum e não o álbum propriamente dito. Mas oiça-se os 19 temas do disco 1, antes da indicação de faixas extra, e aquilo que se percebe é que "Smile" era e é isto. Por "inacabado" que estivesse. E isto é "a sinfonia adolescente para Deus" que Wilson confessara querer erigir, juntando-se a Van Dyke Parks e inventando um álbum que seria diferente de tudo o que os Beach Boys haviam feito antes. Wilson queria ir além de "Pet Sounds", andava inebriado com a resposta a dar aos avanços criativos dos Beatles e, de repente, tudo se tornou demasiado intenso - um pequeno parafuso fora do sítio e o castelo ruiu. Com medo do desastre, abortou o disco, fingiu que nada tinha acontecido, arquivou as fitas e repescou um par de temas para o álbum "Smiley Smile", uma espécie de versão tímida do que teria sido o disco pensado originalmente. Felizmente, canções como "Good Vibrations" (candidata a maioria absoluta na votação de melhor de todos os tempos, publicada em single em 1966) e "Heroes and Villains" não esperaram até hoje para conhecer a luz do dia. Este "Smile" não é uma obra de arquitectura de uma complexidade tão escarrapachada como o foi "Sgt Pepper's" para os Beatles. Mas a matéria é bem diversa. São canções que nunca perdem a pop de vista, mas se deixam marinar num caldo de drogas, das quais se levantam vozes em espiral naquele modo doo-wop muito particular dos Beach Boys, longe de tudo o que seria comercialmente imaginável como eficaz. "Smile" - mais estimulante do que a suposta versão completa que Wilson regravou em 2004 - é, tal como se imaginava, o ponto mais elevado da pop retalhada norte-americana. Incompleta que esteja. A sinfonia está lá. Deus também - mas chama-se Brian Wilson.

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Seria mais proveitoso gozar o estatuto do disco perdido mais importante da história da música, deixar toda a gente a salivar e a imaginar as hiperbólicas construções musicais que estariam fechadas a sete chaves e que seriam sempre mais deslumbrantes e celestiais na cabeça de quem as imaginava do que num reles disco que viesse a chegar às lojas, encaixotado como os outros, a ter de disputar espaço nas prateleiras com as novidades da estação que todo o/a adolescente terá o bom senso de enfiar envergonhadamente na sua memória assim que lhes despontarem os primeiros pêlos. Nessa perspectiva, a edição de "Smile" é não menos do que uma heresia. É da ordem do criminoso trocar o sonho do disco mais importante para a Humanidade por duas rodelas de plástico que se riscam e estragam como as demais. A parte boa - porque tratando-se de Brian Wilson em 1967 ela teria sempre de existir em doses cavalares - é que "Smile" cumpre com tudo o que se poderia esperar. Claro que Wilson esconde-se atrás do argumento de que esta edição é um apanhado das sessões de gravação para o álbum e não o álbum propriamente dito. Mas oiça-se os 19 temas do disco 1, antes da indicação de faixas extra, e aquilo que se percebe é que "Smile" era e é isto. Por "inacabado" que estivesse. E isto é "a sinfonia adolescente para Deus" que Wilson confessara querer erigir, juntando-se a Van Dyke Parks e inventando um álbum que seria diferente de tudo o que os Beach Boys haviam feito antes. Wilson queria ir além de "Pet Sounds", andava inebriado com a resposta a dar aos avanços criativos dos Beatles e, de repente, tudo se tornou demasiado intenso - um pequeno parafuso fora do sítio e o castelo ruiu. Com medo do desastre, abortou o disco, fingiu que nada tinha acontecido, arquivou as fitas e repescou um par de temas para o álbum "Smiley Smile", uma espécie de versão tímida do que teria sido o disco pensado originalmente. Felizmente, canções como "Good Vibrations" (candidata a maioria absoluta na votação de melhor de todos os tempos, publicada em single em 1966) e "Heroes and Villains" não esperaram até hoje para conhecer a luz do dia. Este "Smile" não é uma obra de arquitectura de uma complexidade tão escarrapachada como o foi "Sgt Pepper's" para os Beatles. Mas a matéria é bem diversa. São canções que nunca perdem a pop de vista, mas se deixam marinar num caldo de drogas, das quais se levantam vozes em espiral naquele modo doo-wop muito particular dos Beach Boys, longe de tudo o que seria comercialmente imaginável como eficaz. "Smile" - mais estimulante do que a suposta versão completa que Wilson regravou em 2004 - é, tal como se imaginava, o ponto mais elevado da pop retalhada norte-americana. Incompleta que esteja. A sinfonia está lá. Deus também - mas chama-se Brian Wilson.