As palavras de 2011

A primeira escolha foi “revolta”, a que se seguiria pouco depois “austeridade”, com Março ainda a começar. Em Abril, caímos no “lixo”, passámos pelo “resgate” e acabámos na “troika”. Mas “presidenta”, “madeira”, “buraco”, “soberania” ou “indignação” também entraram no léxico dos portugueses durante o ano que passou. Houve ainda lugar para “bola”, “liga”, “festival”, “escola”, “supernova” ou “moscatel”. Em Novembro, chegou a “greve” e em Dezembro o “património”. Faltou-nos a “emigração”.

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A primeira escolha foi “revolta”, a que se seguiria pouco depois “austeridade”, com Março ainda a começar. Em Abril, caímos no “lixo”, passámos pelo “resgate” e acabámos na “troika”. Mas “presidenta”, “madeira”, “buraco”, “soberania” ou “indignação” também entraram no léxico dos portugueses durante o ano que passou. Houve ainda lugar para “bola”, “liga”, “festival”, “escola”, “supernova” ou “moscatel”. Em Novembro, chegou a “greve” e em Dezembro o “património”. Faltou-nos a “emigração”.

Dezembro Fim

Substantivo masculino que significa “termo”, “conclusão”, “limite”. Neste fim de ano, não é apenas o calendário que termina. Há “cessação” de direitos e expectativas (em Portugal e na Europa), mas os dicionários não tiveram ainda tempo de o registar. Para os mais dramáticos, “fim” é o “‘Apocalipse’, livro da Bíblia que nos fala do fim dos tempos”. Não exageremos. “Fim” também pode querer dizer “objectivo”, “finalidade”. Seja diminuir o défice ou “dobrar o cabo das Tormentas”, como se escutou por estes dias. Espera-se que “dobrar” tenha sido usado no sentido de “ultrapassar” e não de “multiplicar por dois”. Era mesmo o fim...

18-12
Currículo

Do latim, “curriculum”, o mesmo que “carreira”. Mas também “atalho”, no sentido de “desvio para encurtar caminho”, e ainda “curso”. Um dos dicionários consultados explica “currículo” (logo na primeira entrada) como “acto de correr”. A expressão “curriculum vitae” significa “relação dos estudos, honras, cargos, trabalhos realizados, dados biográficos que qualificam uma pessoa”. Dito de outra forma, “sucessão dos factos que marcam cultural e profissionalmente a carreira” de alguém. Deve manter-se actualizado, sobretudo em cenário de potenciais despedimentos. Mas outro sentido para “currículo” ocupou recentemente os actores da educação, o de “conjunto de conteúdos ou matérias de um curso escolar ou universitário”. No caso, o do 2.º e 3.º ciclos do ensino básico, sujeitos agora a uma revisão “curricular” – adjectivo “relativo à carreira escolar”. Anuncia-se reforço nas disciplinas essenciais e menos horas de aulas. Um “atalho” para a eficiência?

11-12
Património

Substantivo masculino que significa “herança paterna” ou “bens de família”. Explicações mais detalhadas e abrangentes: “Qualquer espécie de bens, materiais ou morais, pertencentes a alguém ou a alguma instituição ou colectividade”. Também se regista como “dote necessário para a ordenação de um eclesiástico”. O mais próximo de “património imaterial” que se encontrou foi a referência a “bens morais”. Isto a propósito do fado e do seu reconhecimento recente como “pertença” da humanidade (pela UNESCO). O mundo é agora “proprietário” do fado, mas pode perder o Alto Douro Vinhateiro. “A barragem de Foz Tua tem um ‘impacto irreversível e ameaça os valores’ que estão na base da classificação”, lia-se nas notícias da semana que passou. Talvez os portugueses sejam melhores na imaterialidade. “Fado”, além de “canção típica lisboeta, de índole plangente e fatalista”, significa “destino”, “sorte”. E se o fado (canção) português é património. O fado (destino) de quem cá mora (e trabalha) parece ser o de ficar sem ele, o património. Não o imaterial, o outro.

Novembro
27-11
Greve

“Interrupção voluntária e colectiva do trabalho por parte dos assalariados com o objectivo de reivindicar aumento de salários e melhores condições de trabalho.” Nem sempre é por isso.

20-11
Bola

“Objecto esférico de borracha ou de outro material, geralmente oco, que é usado em diversos desportos.” Mas, quando se fala de “bola”, já se sabe que é de “futebol” que se trata. Exemplo de frase registada: “Gosta de ver a bola na televisão.” Segundo alguns dicionários, o facto de assim nos referirmos a este desporto tem origem no Brasil. É também daí que chegam algumas expressões divertidas que envolvem o “esférico”. “Dar bola a...”, no sentido de dar atenção “para namoro”. Explica o Dicionário Aurélio: “Aplica-se em geral às moças.” Outra expressão: “Ruim de bola”, que significa “amalucado”. Na versão de Portugal, “bater mal da bola” é ser “doido”. Isto porque “bola” e “cabeça” são sinónimos. Há ainda o “não ir à bola com...”, que quer dizer “não gostar de alguém ou de algo”. Muitas pessoas não vão à bola com... a bola. Mantendo-nos no desporto, também é sinónimo de “golo”. E encontrámos esta frase registada para exemplificar em contexto: “Ganharam por duas bolas a zero.” Mas gostaríamos de acrescentar uma mais actual: “Ganharam por seis bolas a duas.” Diriam os adversários, se falassem português: “Ora bolas!”

13-11
Demissão

Substantivo feminino que significa “acto ou efeito de demitir ou de se demitir”. Termo de origem latina, demissione, “abaixamento”. Também se regista como: “Cessação do serviço de um funcionário vitalício imposta como sanção criminal ou disciplinar.” Alguns dicionários acrescentam o sinónimo “exoneração”. O adjectivo “demissionário” surge como alguém que “pediu a demissão ou foi demitido e, quer num caso quer noutro, aguarda o despacho”. Exemplo: “O ministério está demissionário.” Se os dicionários se baseassem nas notícias da última semana, os exemplos seriam outros. Passariam pela Grécia (Papandreou), por Itália (Berlusconi) e por Portugal, com a devida relativização de importância (três elementos do grupo de trabalho para a definição do conceito do serviço público da RTP). Um “demissionário” pode ser chamado “demitente”. “Demitir-se” e “abster-se” usam-se com sentidos equivalentes. “Demitir-se das suas responsabilidades” é uma expressão comum. E uma prática também. Os exemplos não caberiam aqui.

6-11
Referendo

Nome masculino, do latim “referendum”. “Direito, consagrado juridicamente, que assiste a cada cidadão de ser ouvido por meio de voto, em matérias de interesse nacional.” Ou de “interesse local”, acrescentam alguns dicionários. Outra versão: “Forma de participação directa do povo na tomada de resoluções políticas, através do qual exprime o seu acordo ou desacordo relativamente à proposta apresentada por um órgão de poder político.” Exemplo registado: “Referendo sobre a regionalização.” Podia acrescentar-se “referendo sobre a permanência de um país na zona euro”. Mas o primeiro sentido que surge remete para “mensagem que um representante diplomático expede a seu governo pedindo novas instruções”. Só depois vem o “direito que têm os cidadãos de se pronunciar directamente sobre as questões de interesse geral”. Não é uma prática antiga nem universal. Por isso, repete-se o exemplo mais recuado no tempo: “O referendo é praticado na Suíça.” À semelhança de outros feitos da democracia, pode ser visto como “uma conquista histórica do povo”.Quando dá jeito.


Outubro
30-10
Cimeira

Comecemos por uma definição retirada de um dicionário de 1940 (Cândido de Figueiredo). “Elmo, ornato no cimo de capacete” e também “o mesmo que cume, cumieira”. Em 1992, “cimeira” volta a aparecer “na cabeça” de um dicionário enciclopédico (Edições Alfa): “Ornamento que enfeita o cimo de um capacete.” Segue-se a definição botânica: “Tipo de inflorescência cimosa que pode ser unípora, bípara ou multípara”! Mais nada. É preciso chegar a 1998 para se encontrar um registo com o sentido de que o leitor estava à espera desde que “parou” aqui. Pois bem, lá vai: “Reunião política, económica, etc., do mais alto nível, isto é, em que participam as autoridades máximas.” Mas acrescenta-se uma definição heráldica, que permite deambulações visuais e verbais: “Figura de animal no cimo do timbre, no escudo.” Um dicionário online regista, em quarto lugar: “Reunião de pessoas que representam as autoridades máximas de uma instituição, um organismo, um país.” O mesmo que “conferência ou reunião de cúpula”. No caso que mais nos interessa da última semana, terá sido um encontro a 17. Os que precisam do “elmo” do euro.

23-10
Indignação

Substantivo feminino, do latim “indignatione”. “Sentimento de cólera ou de desprezo, provocado por um ultraje ou por uma injustiça.” Ou ainda, escrevem outros dicionários, por “afronta” ou “acção vergonhosa”. Mais: “Estado de quem se indigna”, “agastamento”, “repulsão”, “aversão”. Em crescendo de intensidade: “raiva”, “ódio”. Frase registada como exemplo: “Qual foi a causa da sua indignação?” (à luz dos acontecimentos dos últimos tempos, não será difícil responder). O adjectivo “indignado” (muito usado por estes dias em várias cidades do mundo) explica-se como alguém que “sente indignação”, mas que também pode decidir mostrá-la: “Que manifesta exaltação, irado, raivoso.” Já o verbo “indignar” significa “indispor gravemente”, “escandalizar”. Na forma reflexa, “indignar-se”, aparece registado como “revoltar-se” e também “agastar-se”, “levar a mal qualquer coisa”. Frases: “Indigna-me que um inocente seja condenado” e “indignei-me com o teor da notícia”. Encontrou-se um adjectivo pouco comum, mas adequado ao momento: “indignativo”. Significa “muito zangado”.

16-10
Orçamento

Um orçamento é, em sentido lato, “a apreciação dos meios necessários para se realizar qualquer empreendimento”. Se for, em concreto, o Orçamento do Estado, os dicionários explicam melhor: “A conta da receita e das despesas públicas prováveis durante um ano económico” e ainda “cálculo da receita a ser arrecadada em um exercício financeiro e das despesas a serem feitas pela administração pública, organizado obrigatoriamente pelo executivo e submetido à aprovação das respectivas câmaras legislativas”. Quando as contas não batem certo (por “desvios colossais” ou menores), entra um “orçamento rectificativo”. É cedo para saber se será necessário, uma vez que a proposta de Orçamento do Estado português para 2012 só ficou a conhecer-se há pouco. Invariavelmente, a palavra “orçamento” vem associada a outras pouco simpáticas, como “redução”, “corte”, “agravamento”. A forma verbal “orçar” significa “calcular o preço”. Mas há um sentido bonito quando se fala em “orçar o navio”. Trata-se de “voltar a proa da embarcação para a linha do vento”. E seguir à bolina.

9-10
Supernova

Substantivo feminino do domínio da Astronomia. É uma “estrela em que se deram explosões internas e cuja luminosidade aumentou bruscamente”. Há dicionários que não concordam com a designação “supernova” e escrevem: “Termo impróprio aplicado a certas categorias de estrelas, análogas às ‘novae’, que uma espécie de explosão esvazia duma só vez toda a sua energia nuclear.” Alguns acrescentam: “Estrela em que o brilho aumenta bruscamente até valores da ordem de 100 milhões de vezes o seu valor médio.” Na semana que passou, estas estrelas foram estrelas (passe o pleonasmo) na comunicação social porque a sua observação conduziu três cientistas ao Prémio Nobel da Física: Brian Schmidt, Adam Riess e Saul Perlmutter. Ficou a saber-se que as supernovas de tipo Ia “podem emitir uma quantidade de luz equivalente à de uma galáxia”, mas que no decurso da observação de 50 delas se verificou que a luz era mais fraca do que o previsto. Conclusão: a expansão do universo afinal está a acelerar e não a abrandar. Disse um dos premiados que era um “resultado louco”. E supernovo...

2-10
Soberania

Substantivo feminino que significa “qualidade do que é soberano”. Exemplo: “'Soberania do povo', doutrina política que atribui ao povo ou à nação o poder soberano.” Outras definições: “Poder político, independente e supremo”, “autoridade moral” ou “poder que o Estado tem para fazer leis e impô-las colectivamente”. (O dicionário nada assinala a respeito de condicionantes à soberania por incumprimento de memorandos, rácios de défice ou dívida.) Nos registos mais antigos, a palavra surge também como “autoridade de príncipe”. O adjectivo “soberano” (do latim, “superanus”) traduz-se por “absoluto”, “que tem autoridade superior”, “dominador”. Pode também ser atribuído a “Deus, arquitecto do Universo”. (Zero referências à União Europeia ou a qualquer dos seus Estados-membros.) Em sentido figurado, um soberano é um sujeito “altivo”, “arrogante”. Mas também pode ser “imperador”. Diz o povo que, “em sua casa, cada um é soberano”. (E todos gostam de acreditar nisso.) “Souveränität” é a palavra alemã para “soberania” (só por curiosidade). E, sendo um substantivo, os germânicos escrevem-na com maiúscula.

Setembro
25-09
Buraco

Substantivo masculino. “Furo”, “abertura”, “orifício” são os primeiros significados registados. Seguem-se: “cova”, “cavidade”, “toca”. Por último: “lacuna”, “falta” (sentido adequado à palavra mais usada em Portugal durante a semana que passou). Há vários exemplos de buracos. O da fechadura (por onde todos já espreitaram), o do ozono (“região da atmosfera onde a camada de ozono se tornou excessivamente fina ou desapareceu”); o negro (“região do universo, compacta e maciça, cujo campo de gravitação é tão intenso que nem a luz nem qualquer outra forma de radiação pode escapar-se do seu interior”) e o nutritivo (“orifício dos ossos que dá entrada à artéria que os irriga”). Mas também “buraco financeiro” (o tal de que se fala). “Tapar buracos” significa “pagar dívidas pequenas” (não é o caso). Expressões encontradas nos dicionários dizem-nos que “arranjar um buraco” é o mesmo que “conseguir um emprego” e que “sair de um buraco” significa “ultrapassar uma situação complicada”. O feminino “buraca” traduz-se por “grande buraco”. Tratando-se de Portugal (continental e insular), é mais isso.

18-09
Escola

Do latim, “echola”. “Estabelecimento público ou privado onde se ministra sistematicamente ensino colectivo.” E também “conjunto de professores, alunos e funcionários de um estabelecimento de ensino” – todos os que esta semana retomaram (em Portugal) a actividade lectiva. A palavra “escola” diz-se “especialmente do ensino elementar” (equivalente ao 1.º ciclo do ensino básico, “a primária”). Há ainda o sentido de “adeptos ou seguidores de um mestre ou de uma doutrina ou sistema” – os pintores da escola flamenga. “Fazer escola” traduz-se em “definir princípios, estabelecer teorias que são adoptadas por discípulos e exercem grande influência”. A expressão “ter a escola toda” não significa ter muitos graus académicos, mas sim “ser sabido, manhoso”. Exemplo: “O rapaz tem a escola toda.” O que equivale, num dicionário do Brasil, a “escolado” – “esperto, vivo, sabido, ladino” e também “experimentado”. A terminar, a palavra “escolágio” – “quantia que o aluno paga para frequentar a escola”. Ou seja, propina.

11-09
Madeira

Do latim, “matéria”. “Parte lenhosa do tronco, da raiz e dos ramos das plantas. Tábuas, vigas, caibros, tudo o que, sendo lenhoso, se aplica a construções e trabalhos de marcenaria”, eis a definição que os dicionários põem em primeiro lugar, com ligeiras variantes. Em segundo, “vinho generoso da ilha da Madeira”. Um dicionário enciclopédico fala em “jardim do Atlântico”: “Arquipélago português, constituído pelas ilhas da Madeira (782km2 de superfície) e do Porto Santo (72 km2). Fazem parte também do arquipélago as ilhas Selvagens e as ilhas Desertas.” Seguem-se pormenores: “É fortemente acidentada, com elevados picos e vales profundos” (Isto não é uma metáfora.) “O turismo constitui uma das mais rendosas fontes de riqueza da Madeira, servido por uma moderna e opulenta rede hoteleira que se concentra sobretudo à volta da cidade do Funchal e que atrai larga afluência de estrangeiros.” Défice, independência ou “off shore” não constam. Um “madeirense” é “um natural ou habitante da ilha da Madeira”. Já um “madeiro”, na linguagem popular, é “um homem estúpido”. (Isto não é um insulto.)

04-09
Espionagem

Nome feminino. “Actividade clandestina efectuada por espiões, pessoas que procuram obter informações secretas.” Exemplo de frases registadas: “A espionagem pode ter como campo de actividade a política ou os sectores militares, económicos, científicos.” Comunicação social e jornalistas não aparecem “contemplados” (os dicionários não são tão recentes assim...). O verbo “espiar” pode ser traduzido por “vigiar sorrateiramente alguém para ficar a saber o que faz ou o que diz”. Exemplo: “Espiar o inimigo.” Surpreendentemente, também significa “dar como esmola”! Já “espião”, “espiã” (sim, também está registado) ou “espia” querem dizer “pessoa que, por interesse ou curiosidade malévola, observa disfarçadamente o que os outros dizem ou fazem” ou ainda “indivíduo que denuncia, com intuito de prejudicar alguém, aquilo que observou e/ou escutou”. Um denunciador, portanto. Mas que também pode ter o nome engraçado de “espreitão”, mesmo que “espreite” usando os ouvidos e não os olhos.

Agosto
28-08
Árbitro

“Indivíduo que, em jogos desportivos, fiscaliza a observância das regras.” Quando assim o entende, pois pode dar-se o caso de se recusar a fazê-lo (como no recente desafio entre o Sporting e o Beira-Mar). Outros registos: “autoridade suprema, soberano”; “o que dirige uma prova desportiva, com direito de decisão quanto ao seu desenvolvimento e à disciplina” (decisões que raramente agradam a todos). Mas estas não são as primeiras definições da palavra “árbitro” que os dicionários contemplam, mas sim “aquele que resolve questões por escolha de um tribunal ou por consenso das partes litigantes”. Também pode ser definido como um “avaliador”. Num dicionário de 1924, nem se fala em práticas desportivas (e o futebol não é o único que deles precisa), somente em “senhor absoluto” – “Deus é o árbitro dos nossos destinos”. Mais hipóteses: “modelo”, “exemplar”. A forma verbal “arbitrar” surge como “determinar por arbítrio”. “Arbitragem” é o “julgamento por árbitro ou árbitros”. Nunca aparece a palavra “apito”. Dourado ou de outra cor.

21-08
Aumento

“Acção ou efeito de aumentar.” Impostos, transportes, electricidade ou gás natural, para dar exemplos escolhidos ao acaso. Palavra originária do latim, “augmentu”, que também significa “engrandecimento”, “progresso” e (imagine-se) “honraria”. Em linguagem comercial, “aumento de capital” corresponde a “operação que tem por objectivo o aumento de capital de uma empresa e que consiste na emissão e venda de novas acções”. De bancos e seguradoras, por hipótese e ao acaso. A forma verbal “aumentar” significa “amplificar; engrandecer”. Frase que o dicionário escolhe: “Aumentar os haveres.” De quem? Não se especifica. “Agravar” e “aumentar” são sinónimos. “O desgosto aumentou-lhe a doença.”Na província, dizer “aumentar” é o mesmo que dizer “inventar”. Há ainda o adjectivo “aumentável”, traduzido assim: “Que pode ser aumentado, susceptível de aumento” (mas é melhor não dar ideias). Antónimos: “diminuir”, “reduzir” (uma ideia boa, falando de despesas do Estado, por hipótese e ao acaso).


14-08
Descanso

“Acto ou efeito de descansar.” Terá sido o que fizeram os deputados desta nova legislatura, mas só a partir de dia 8 e só até dia 22. Duas semaninhas apenas. “Descanso” é um substantivo masculino que significa “repouso, sossego, ócio”. O que muitos procuram por estes dias de Verão. O dicionário regista “cessação de trabalho” e escolhe uma frase para exemplificar: “É a hora de descanso dos operários.” Mas também pode ser “cessação de movimento” ou “alívio”. Exemplo: “O doente teve hoje algum descanso.” Entende-se ainda como “comodidade”, “pachorra” e “paz”. A palavra aparece, no entanto, associada a armas e a guerra: “Posição do cão da espingarda, em que este se não desfecha pela posição do gatilho” e “suspensão de um exercício militar”. Regista-se ainda como “objecto em que assenta outro”. Quem nunca pôs a bicicleta no “descanso”? A forma verbal “descansar” surge como: “aliviar da fadiga”, “estar de pousio”, “dormir”, mas também “mitigar”, “suavizar”. Para os brasileiros, “descansar” tanto pode querer dizer “morrer”, como “dar à luz, parir”!

07-08
Receita

Substantivo feminino que significa “aquilo que se recebe”. Ou, num registo mais antigo, “cálculo do que se há-de receber” (contas complexas nos dias de hoje). Também quer dizer “rendimentos de um Estado, empresa, etc”. O “etc” pode corresponder a uma fundação (por exemplo), a da Cidade de Guimarães (por hipótese).

Mas aí era preciso uma entrada muito longa (havia que falar em “receitas” dos responsáveis pela Capital Europeia da Cultura 2012 e em pactos de silêncio entre cidadãos exemplares). “Quantia arrecadada” é outro dos sentidos. Aparece uma frase sábia: “Equilibrar a receita com a despesa.” Explicações: “Receita bruta: o produto sem dedução das despesas inerentes”; “receita líquida: o produto, depois de deduzidas essas despesas.” Na Medicina, “receita” é a “indicação escrita, por médico, que prescreve medicamentos”.(Normalmente ilegível, por isso passará a electrónica.) “Fórmula para a preparação de certos produtos culinários” é a definição mais saborosa. Noutro âmbito, “indicação relativa ao modo de proceder: ‘Não há receita segura para ser feliz.’”

Julho
31-07
Atentado

Nome masculino que significa “ataque criminoso ou ilegal dirigido contra pessoas ou bens representativos de um regime político ou de outro sistema que se pretende eliminar ou combater”. É uma palavra triste e cada vez mais recorrente, embora nem sempre lhe prestemos a mesma atenção. O verbo “atentar” não difere muito daquele sentido: “Cometer um atentado por motivos políticos ou outras razões.” No Direito, “acto ou situação contrários à lei, ofensa grave aos direitos estabelecidos”. Exemplo: “O trabalho infantil é um atentado aos direitos da criança.” Há um significado mais pacífico para “atentar”, registado em dicionários antigos, “irritar”. Daí a expressão “atentar o juízo” a alguém. Mas o que trouxe a palavra para esta página não foi uma simples irritação, foi uma “acção criminosa”, como se escreve em todas as obras consultadas. No Brasil, como adjectivo e no sentido popular, usa-se “atentado” como “demónio”, “diabo”. Compreende-se.

24-07
Desvio

Substantivo masculino que significa “acto ou efeito de desviar”, mas também “volta ou sinuosidade de caminho”, “subterfúgio”. Na Matemática, trata-se da “diferença entre o valor observado e o valor exacto de uma grandeza”. Pois. A expressão “desvio colossal” não consta dos dicionários, embora tenha sido bastante usada por estes dias a propósito de contas públicas. Outros sentidos encontrados para “desvio” foram “mudança de direcção ou de posição”; “descaminho”; “lugar desviado ou escuso”; “recanto”; “esconderijo” (estarão escondidos os dois mil milhões de euros?); “sumiço” (será?). Mais definições: “Falta de cumprimento de um dever”; “culpa”; “vadiagem”. Um exemplo registado é “subtracção fraudulenta: desvio de valores”. Outro corresponde a “aplicação ilegal: desvio de uma verba orçamental”. Em sentido figurado, “desvio” diz-se do “afastamento do bom caminho”; “erro”. Pois. Já falando de óptica, chega-se a esta curiosa... definição: “Ângulo formado pela direcção de incidência com a direcção de emergência.” Pois, pois.

17-07
Moscatel

Como adjectivo ou como substantivo, “moscatel” é sempre doce. “Adjectivo designativo de uma casta de uva muito saborosa e aromática” ou “determinado tipo de uva de bago ovalado e suco muito doce”, escrevem os dicionários de língua portuguesa. Supõe-se que o nome resulte do cruzamento italiano de “moscato” e “moscadello”. O melhor do mundo (Reserva 2006, Venâncio Costa Lima) é da Quinta do Anjo, já que venceu há pouco a competição Muscats du Monde, em Montpellier. Finalmente uma boa notícia sobre (e para) Portugal. Ninguém usou a expressão “Margem Sul” (talvez destinada apenas às más notícias). Aprofundando na botânica, fica a saber-se que há moscatel-tinto ou preto, moscatel-do-douro, roxo, branco. E que “moscatel de Setúbal” pode ser designado como “moscatel-de-jesus”. Significa ainda “variedade de figo, maçã, laranja e pêra-deverão”. Há um registo (na gíria) que fala em “moscatel” como algo “que tem moscas”, mas preferimos os conceitos saborosos. Recuperemos até o que já escrevemos algures: se o vinho é o néctar dos deuses, o moscatel só pode ser o das deusas. Tchim tchim!

10-07
Moody

O dicionário de Inglês-Português reza assim: “Taciturno, melancólico, carrancudo, rabugento, mal-disposto, sorumbático.” Enfim, malhumorado.Diz também que é um adjectivo. A expressão inglesa “to be moody” vem descodificada como “ter caprichos de comportamento”. Por exemplo, apetecer a alguém atirar com tudo para o lixo. Se falarmos no nome próprio Moody's (bastante apropriado ao desempenho), percebe-se imediatamente a má disposição generalizada dos portugueses por estes dias. Alguns até padeceram de problemas de estômago. Para “mal-humorado”, o dicionário de Português-Português regista as seguintes explicações: “Que tem humores mórbidos”,”agressivo”, “intratável”. Os “mal-dispostos” de que aqui se fala já em Abril tinham atirado para o “lixo” (grau de investimento equivalente a “junk bonds”) a Parpública, a Refer, a RTP e a CP. Agora, foi o país inteiro, connosco lá dentro. Isto depois do anúncio do agravamento fiscal que pôs os portugueses a falar do Natal em Julho (caso raro). O que até podia ser bonito, na linha “é quando um homem quiser”. Mas está difícil recuperar o bom humor.


03-07

Executivo

Surge em primeiro lugar como adjectivo, “que executa, cumpre ou realiza; diz-se do poder que tem a seu cargo executar ou fazer cumprir as leis (Governo)” e também “enérgico, decisivo”. Como exemplo, a frase: “O chefe de Estado e os ministros constituem o poder executivo.” Esqueceram-se dos secretários de Estado (talvez os que mais executam e cuja tomada de posse recente foi o pretexto para a escolha desta palavra).Há uns executivos maiores e outros menores. O XIX Governo/ executivo português tem 11 ministérios e 35 secretários de Estado. Como substantivo, na linguagem comercial, regista-se assim: “Pessoa com função executiva em organização industrial ou comercial. Alto funcionário que orienta ou toma parte na orientação da actividade financeira, administrativa ou técnica de uma empresa.” E ainda: “Quadro superior de empresa”; “activo, resoluto”. Num dicionário mais antigo, “relativo a execução judicial ou a penhora”. Bastante apropriado a tempos de endividamento. Sempre a surpreender-nos está a gíria brasileira, que usa a palavra “executivo” para “cacete, bengala ou qualquer arma”.


Junho
26-06
Presidenta

“Mulher que preside” ou “mulher de um presidente”. Assim definem vários dicionários este substantivo feminino que a muitos (e a muitas) soa estranho. E não são assim tão recentes. Numa edição de 1973, já Cândido Figueiredo registava a palavra “presidenta”, embora como neologismo. Compreende-se. Também em 1980, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira a contemplava (no dicionário de origem brasileira a que chamamos “Aurélio”). Este linguista não poderia adivinhar que o seu país viria a ser dirigido por uma, Dilma. Por cá, houve uma breve discussão sobre o vocábulo quando Leonor Beleza assumiu a presidência da Fundação Champalimaud. Mais atrás no tempo, discutiu-se o feminino de “primeiro-ministro” para enquadrar Maria de Lourdes Pintasilgo como chefe (chefa?) do Governo. Quem sempre quis ser tratada como “presidenta” e disso fez saber sem cerimónia foi Pilar del Río, a dirigente da Fundação José Saramago. No entanto, para se perceber o significado, há que procurar o masculino “presidente”: “Aquele que dirige os trabalhos de uma assembleia ou de uma corporação deliberativa. Título moderno do chefe da república.” Mas também “mordomo da festa de uma freguesia”. Sinónimo, “macuquinho”, um pássaro.

19-06
Silêncio

Substantivo masculino, do latim “silentium”. “Ausência de ruído, sossego.” Foi o que os responsáveis pelo Central Park (Nova Iorque) tentaram obter esta semana, restringindo áreas do jardim a músicos de rua. E logo começou o “barulho”, antónimo da palavra de que aqui se fala. “Em recolhimento íntimo, sem manifestação exterior” é outro significado de “silêncio”, provavelmente o que alguns americanos procuram no parque. Outros não. “Taciturnidade” vem registado como seu sinónimo num dicionário antigo. Mas também “toque, nos quartéis, depois do recolher”. Há uma interjeição já pouco usada para mandar alguém remeter-se ao silêncio: “Caluda!” Exemplos de expressões: “O silêncio das paixões”, estado de paz; “impor silêncio”, fazer calar; “reduzir ao silêncio”, esgotar a alguém todos os argumentos de réplica; “silêncio sepulcral”, absoluto, completo, o dos túmulos. E “o silêncio dos jornais”: abstenção de publicar qualquer notícia ou ruído. Acontece. Há silêncios temporários de conveniência, para não dificultar acordos, e alguns muito irritantes, vulgo “tabus”. O dicionário não diz, mas a verdade é que o silêncio é um bem cada vez mais escasso. Chiu!

12-06
Líder

Do inglês, “leader”. “Pessoa de maior evidência num partido político; chefe de uma organização, de um regime, de um país.” Seja. “Indivíduo que chefia uma empresa, uma corrente de opinião ou um grupo; representante de uma bancada parlamentar.” Num dicionário de 1940, “líder” não consta. A influência do inglês era mais fraca. Mas “chefe” sim (do francês): “Indivíduo que, entre outros, é cabeça ou o principal.

Aquele que governa. Capitão.” É sabido que “chefe” e “líder” não são bem a mesma coisa. Se o líder é um chefe, um chefe pode não ser um líder. Se há líderes que apetece seguir, há chefes que apetece que sigam. para longe. Temos os líderes de continuidade e os de ruptura, com variantes entre ambos. De continuidade, marcando pontos de ruptura; de ruptura, mantendo alguma continuidade. Infinitos malabarismos a que a língua ou a prosápia permitem recorrer para que fique a ideia de que algo muda, mas pouco. Alguns líderes afastam-se com brilhantes discursos de derrota, outros ascendem com lamentáveis textos de vitória. O da Presidência da República, por exemplo. Sabia que “liderança” é sinónimo de “governança”?

05-06
Futuro

“Que há-de ser, que há-de vir”, escrevem os dicionários. Todos. Mesmo os do passado. Em 1924, “futuro” já se entendia como agora – “destino”, “fado”. Também se encontraram expressões bem portuguesas: “O futuro a Deus pertence” e “o futuro nos julgará”. Deparámo-nos ainda com “sustento, o êxito de cada um na época”. E até com sentidos para lá deste mundo: “'A vida futura', aquela que há-de suceder à vida terrestre.” No entanto, para já, é esta (a terrestre) que preocupa a maior parte de nós. Sobretudo em dia de eleições. “Ter futuro”, diz-se “de profissão ou modo de vida que promete dar bons proventos, prosperidade”. É o que queremos, não? “Futuro” pode ser substantivo masculino. Na verdade, já foi mais masculino... Sobretudo se pensarmos no género, não dos substantivos, mas de quem ocupa cargos de topo na política, economia ou comunicação social. Também há o adjectivo “futurista”, que na versão teológica diz respeito a “uma das várias escolas de interpretação do Apocalipse”. A última coisa de que Portugal precisa hoje. Amanhã não sabemos. Mas podemos “futurar”, que significa “conjecturar”. Recordemos Einstein: “Eu nunca penso no futuro, ele não tarda a chegar.” Provavelmente, já chegou. Talvez o futuro seja agora.

Maio
29-05
Campanha

Substantivo feminino de origem latina – “Campânia”, “campagna”.Os primeiros significados são “bélicos”: “Série de operações militares de um ou mais corpos de exército contra forças inimigas”, “campo de batalha”. Também pode entender-se por “planície onde assentam arraiais”. Campanhas “de limpeza” ou “de promoção da leitura” foram alguns exemplos encontrados para “conjunto concertado de acções e de meios persuasivos, destinado a exercer uma influência sobre as opiniões ou sobre os comportamentos de um dado público (alvo)”. É então que se chega explicitamente a “campanha eleitoral”: “Conjunto de realizações políticas (comícios, sessões de esclarecimento, etc.) mediante as quais os candidatos a uma eleição procuram, no período que a antecede, angariar o maior número de votos dos eleitores.” Não há exemplos de “limpeza” ou “sujidade”, mas podia. Felizmente que não tem a duração da “campanha do café” (mesmo se a eleitoral começa... antes de ter começado): “O período anual de uma safra de café, isto é, de 1 de Julho a 30 de Junho.” Um ano! A alguém muito bem exercitado em campanhas chama-se “campanhista”. Já o plural da palavra, “campanhas”, significa “dificuldades, trabalhos penosos e difíceis”. Mas isso vem depois.


22-05
Liga

Palavra com inúmeros significados, mas o que remete para a semana que passou é: “Grupo de atletas ou de equipas da mesma modalidade desportiva que se associam para realizarem competições.” Com este sentido explicitamente desportivo, “liga” só surge em dicionários recentes. E vem descodificada lá para o final da classificação... (a partir do 10.º lugar). Os primeiros registos falam em “acto ou efeito de ligar, união, junção”. Na verdade, também se adequam ao nosso passado recente. O país “uniu-se” no orgulho de “juntar” numa final da Liga Europa de futebol duas equipas portuguesas. Então, “ligou-se” à rádio, à televisão e à Internet para acompanhar o jogo – mesmo quem não liga à Liga ligou. E viu o FC Porto ganhar. Mais significados: “Combinação de metais por meio da fusão.” Há ainda a conhecida “liga leve” (a das jantes). No entanto, para os mais malandros, o sentido imediato é “tira, geralmente de tecido elástico, que serve para segurar a meia na perna”.Logo a seguir, vem à memória a expressão “de faca na liga”, que quer dizer “irascível, de má pinta”. Mas aí estamos a afastar-nos do esférico, não?


15-05
Festival

Nome masculino que significa “série de espectáculos de música, teatro ou cinema que têm lugar num curto período de tempo”. Há dicionários que falam em “espectáculos desportivos” e acrescentam que “terminam com uma concessão de prémios”. Só uma das fontes consultadas tinha explícito “festival da canção”. Seguia-se outro sentido, como adjectivo: “Que tem ares de festa, alegre” ou “em que há festejos, folguedos”. E ainda “grande divertimento”. Só não se especifica para quem. Se para o participante, se para quem assiste. Alguns puristas consideram o vocábulo “festival” um “anglicismo escusado”. Embora seja em inglês que se fala (ou canta) em muitos deles. “Cortejo cívico” e “cortejo militar” são duas possibilidades para descodificar a palavra. Entrando na coloquialidade, pode significar “grande quantidade” ou “grande demonstração”. Como em certos debates políticos, cujo melhor resumo é: “Um festival!” De contradições, equívocos, insultos. Mas aí não se pode usar o sinónimo “episódio festivo”. Nem para quem participa nem para quem assiste. Nunca.

08-05
Justiça

“Virtude moral que inspira o respeito pelo direito de outrem.” Seja quem for. Por isso é que a Justiça (com maiúscula e no sentido de divindade) se representa com os olhos fechados ou vendados. Outro registo: “Poder de dar a cada um o que é seu, de recompensar, de punir; exercício desse poder.” Enquanto organização, lê-se nos dicionários: “Os meios administrativos organizados pelas sociedades humanas para aplicação das leis que estabeleceram. Especialmente para julgar e castigar os delitos contra elas cometidos.” Quando assim é, as vítimas podem dizer (ou não) “fez-se justiça”. Há expressões como “ouvir alguém de sua justiça”, isto é, “ouvir o que tem a alegar de facto e de direito” ou a frase “fazer justiça por suas mãos”, que significa “castigar sem recorrer aos poderes competentes”. Um “justiceiro” é alguém “que executa severamente as leis”. Se for “executor de alta justiça”, diz-se “carrasco”. No sentido popular, há a chamada “justiça de Fafe”, com uma definição simples (mas pouco justa): “Cacetada”.

01-05
Feriado

Como substantivo: “Dia em que se descansa do trabalho oficial.” Como adjectivo: “Consagrado ao repouso.” Pode ser uma data religiosa ou assinalar um episódio político histórico. Há feriados fixos e móveis. O 25 de Abril pertence aos primeiros (embora as comemorações oficiais se movam no espaço) e os da Semana Santa, aos segundos (que se deslocam no tempo). Quando a Páscoa avança muito no calendário, o último período lectivo torna-se curto. Há protestos. Quando se “cola” a outros feriados e benesses, também. “Féria” é um dos registos que antecedem a palavra nos dicionários: “Entre os romanos, dia durante o qual a religião prescrevia a cessação do trabalho.” E “salário semanal do operário” (receber a féria). O verbo “feriar” equivale a “não trabalhar”. Pode acontecer no local de trabalho (o inverso também). “Férias” é o “período de repouso concedido pelas entidades patronais aos seus empregados todos os anos”. Não se encontrou a expressão “tolerância de ponto” nem tão-pouco a de “certificados de aforro”. É urgente actualizar os dicionários de língua portuguesa.

Abril
24-04
Troika

Palavra russa. Em português, regista-se “tróica”. Melhor, “troica”, à luz do Acordo Ortográfico. É um substantivo feminino que significa “carruagem ou grande trenó russo, puxado por três cavalos”. Assim dizem os dicionários mais antigos. Alguns acrescentam que os cavalos “vão alinhados lado a lado” outros dizem que vão “de frente”. Nos mais recentes, já se introduz um novo sentido (sem animais): “Conjunto de três pessoas ou entidades, geralmente com uma finalidade política.” Segundo a Wikipédia, “troika designa uma aliança de três personagens do mesmo nível e poder que se reúnem em um esforço único para a gestão de uma entidade ou para completar uma missão, como o triunvirato de Roma”. A palavra tornou-se popular na era estalinista na União Soviética, “quando troikas substituíam o sistema legal para perseguir rapidamente dissidentes contrários ao regime ou qualquer cidadão acusado de crimes políticos”. A rapidez no julgamento desses cidadãos transformou-se “numa caça às bruxas, levando o medo ao país inteiro”. Será caso para tanto?

17-04
Resgate

Substantivo masculino que significa “acto ou efeito de resgatar; preço por que se resgata”, mas também “remissão a dinheiro de mercadorias cativas ou empenhadas”. Aqui, a palavra “mercadorias” pode ser substituída por “países”, “estados”, “nações”. Dizem os dicionários que está em desuso como sinónimo de “negócio”. Não parece. “Resgate” também surge registado como “soma paga para a libertação de uma pessoa”. Normalmente, depois de um rapto. Ou seja, onde há um resgate, há um refém. Exemplo antigo: “Resgate dos altares.” Tratava-se de uma pensão que “os mosteiros pagavam aos bispos todas as vezes que a um dos seus monges entregava paroquialidade de alguma igreja.” Já para o verbo “resgatar”, os significados são “reaver (um penhor); desempenhar; expiar; perdoar; esquecer; livrar de”. Em sentido figurado, “conseguir, obter com dificuldade, à custa de sacrifícios”... Ou libertar-se: “Resgatou-se do seu compromisso pagando a letra pontualmente.” Oxalá. Mas o sentido mais improvável encontrado foi “a salvação do género humano”.

10-04
Lixo

“O que está gasto, estragado e é desperdício inútil”, regista o dicionário de língua portuguesa quando a entrada é “lixo”. E não fala em “rating”, nem podia. Não é uma palavra portuguesa. Outro sentido: “Conjunto dos resíduos acumulados de toda a actividade de uma comunidade.” Mas não prevê que seja a própria comunidade a estar ao nível de “lixo”, como por estes dias se classificou o país (ou parte dele). Em sentido figurado, escreve-se “coisas velhas sem grande valor, velharia inútil”. E também: “A ínfima plebe, ralé, escória.” Há ainda o significado de “o que se varre da casa, da rua e que se deita fora” ou “barril ou caixote do lixo, recipiente em que se junta o lixo removido de qualquer lugar para depois se deitar fora”. Mas para onde? Também se encontrou lixo na Zoologia, como “género de insectos coleópteros, da subordem dos polífagos”...E o verbo “lixar”, no sentido de “fazer lixo”. Já o vocábulo “lixado” ficava aqui bem, mas não se lhe encontrou registo. No entanto, todos sabemos o que significa, não?


03-04
SOS

Save Our Souls é a descodificação da sigla em inglês. Salvem as Nossas Almas é a tradução literal para português. Assim dizem os dicionários que vertem aquela língua nesta. O pedido de SOS (código morse: ...---...) nunca aparece associado a outra sigla – FMI ou UE, só para dar dois exemplos ao acaso. Afinal, não se pode exigir aos dicionários que acompanhem o ritmo da actualidade. Menos ainda quando esta perturba o entendimento da palavra “ajuda” (de emergência ou nem por isso) e cujo significado se regista assim: “Auxílio, socorro, reforço.” E assim: “Favor, protecção.” E ainda assim: “Peça com que se reforça alguma coisa que está para quebrar-se ou romper-se.” Somos forçados a entrar na escatologia, pois “ajuda” é sinónimo de “clister”. E a invocar a tauromaquia, porque, no plural (“ajudas”), significa: “Auxílio forçado prestado pelos moços de forcado, pegando na cabeça do touro, puxando pelo rabo ou agarrando-se-lhe aos flancos.” Olé! Para descodificar SOS, há uma outra versão popular, Survivors On Shore – Sobreviventes na Costa. É a que preferimos.

Março
27-03
Queda

Substantivo feminino que, em português antigo, se escrevia “caeda”. Como primeiros significados, e sem oferecerem dúvidas, “acto ou efeito de cair”; “movimento do corpo que cai”. Em sentido figurado, encontram-se mais hipóteses, como “descrédito”, “culpa”, “erro”, “pecado”, “perdição moral” ou “perda de influência, de poder, de supremacia”. Mais: “Abandono forçado ou violento do poder, da influência ou do mando” (está mais perto do que procurávamos). Há ainda registo de “vocação, propensão para alguma coisa”, para a música ou para o drama. Nos Açores, quando falam em “queda”, podem estar a referir-se ao “salto das botas ou dos sapatos”. Já o Brasil, com a sua peculiar forma de comunicar, tem a palavra “quedaço”, que é um trambolhão, e uma outra expressão deliciosa: “Por cima de queda, coice.” Significa que a uma coisa má se junta outra igual ou pior.

Na Física, se pensarmos na força da gravidade, “a força atractiva que a massa da Terra exerce sobre os corpos que os faz cair”, encontramos a democracia em estado puro: todos caem.

20-03
Nuclear

“Relativo ao núcleo da célula, do átomo.” Com esta simplicidade se regista nos dicionários mais antigos o adjectivo de dois géneros “nuclear”. À medida que o calendário avança, as explicações tornam-se mais completas. E complexas. “Atómico”, falando de Física. Segue-se a explicação para “arma nuclear”: “Arma de guerra de grande potência, cujo funcionamento se baseia em reacções termonucleares.” Há também esclarecimentos para combustível nuclear, energia nuclear e reactor nuclear. Detenhamo-nos nestes últimos, que muito atormentam o mundo por estes dias. Energia nuclear: “Energia libertada dos núcleos atómicos que se desintegram radioactivamente.” Reactor nuclear: “Dispositivo com material cindível e outros materiais dispostos de tal modo que se possa manter uma reacção em cadeia, isto é, tal que a produção de neutrões por cisão equilibre a perda de neutrões por absorção e fuga do reactor.” Teórica e cientificamente, parece perfeito. Até há pouco, falar de centrais nucleares remetia-nos para Tchernobil. Agora, há mais geografia nesta triste história: Fukushima.

13-03
Cortejo

Pode ser um “desfile” ou uma “comitiva pomposa”. Olhando para a semana que passou, tanto se aplica ao Carnaval como ao longo “beija-mão” de uma tomada de posse. No primeiro cortejo dança-se, no segundo não, mas em ambos há disfarce. “Procissão” é-lhe equivalente, o mesmo para “acompanhamento que se faz a alguém por cerimónia”.

“Séquito” também é uma possibilidade. Há ainda o “cortejo fúnebre”, de que ninguém se livrará e que tem origem italiana, “corteggio”: escolta de honra. Significados como “cumprimento, cortesia” aparecem igualmente nos diversos dicionários consultados, quando o objectivo é descodificar o substantivo/nome masculino. Já a forma verbal “cortejar” pode ser entendida como “adular”, “fazer cortesias a” ou ainda “lisonjear interesseiramente”. Um dos vários sentidos para cortejo está hoje em desuso, o de “galanteio”. Bem mais bonito do que outro, que de certa maneira tem vindo a substituí-lo: assédio.

06-03
Austeridade

Quanto mais se pronuncia, mais antipática (e penosa) se torna esta palavra. “Carácter ou qualidade do que é austero; rigor de disciplina.” São assim as primeiras explicações para “austeridade” que os dicionários registam. Segue-se “dureza no trato” ou “penitência”! Nada de exemplos para a expressão “medidas de austeridade” que muito se tem repetido ultimamente. Mas este substantivo feminino também pode significar “integridade”, “seriedade”. Mais pormenorizadas são as entradas para “austero”, que falam em rigidez nos princípios, hábitos ou opiniões, em inflexibilidade e circunspecção. “Que exige esforço” (sabemos), que “é áspero” (também) e “duro” (idem). “Mortificação espontânea dos sentidos e do espírito” (não exageremos). Em vão se procurou um sentido mais amável para estas palavras. Descobriu-se antes o verbo “austerizar”: tornar austero. E um estranho vocábulo de que muitos conhecerão os efeitos, mesmo se nunca com ele se cruzaram literariamente: “Austerismo.” Significado: “Excesso de austeridade.” Pois.

Fevereiro
27-02
Mártir

Substantivo de dois géneros. “Pessoa que sofreu tormentos ou a morte, por sustentar a fé cristã.” Assim dita o dicionário. Por extensão, a palavra aplica-se àquele que “sofreu por causa das suas crenças ou das suas opiniões”. Em sentido figurado, “que padece muitas atribulações por causa de alguma coisa”. Não se esclarece se é ou não responsável por essa “coisa”. Surge então um exemplo mesmo ao contrário do dito “mártir” da semana: “Os mártires da liberdade.” A palavra também pode ser usada como adjectivo: “Povo mártir” (exemplo mais certeiro, pensando na actualidade) ou “criança mártir” (lamentável, sempre). Logo em seguida, os dicionários registam “martírio”. Aqui, o sentido não difere muito. “Tormentos ou morte suportada por mártir”, mas também “grande padecimento, grande aflição.” Há no entanto dois significados mais positivos e até inesperados para “martírio”. No domínio da Botânica, existe a planta “passiflorácea”, também chamada “flor-da-paixão”. E há um fruto delicioso, pelo menos para alguns, que é seu sinónimo: maracujá.

20-02
Poder

Verbo transitivo, intransitivo e nome masculino. “Ter a faculdade ou a possibilidade de; ter autorização para”, mas também “capacidade legal de fazer algo; domínio; força” e ainda “vigor do corpo ou da alma”. A palavra “poder” também se regista como “ter grande influência ou domínio sobre alguém”. Esse alguém pode ser uma jovem ou uma nação, embora o dicionário não especifique. Mas já contempla a expressão “abuso de poder”. E diz: “Crime de violência executado por quem, tendo recebido certo mandato ou certa investidura de autoridade, usa da força que eles lhe conferem para objectivos que lhe não estão incumbidos.” Há frases expressivas para que melhor se entenda: “Nem todos têm o poder persuasivo daquele charlatão” ou “manda quem pode”. Fala-se ainda em “poder de compra”: “Capacidade financeira de um grupo social, de uma pessoa ou de uma moeda para adquirir produtos e serviços.” Não se especifica. “Pudera!” (conjugação de “poder” no pretérito mais-que-perfeito, na 1.ª e 3.ª pessoa do singular e “exclamação usada como que para justificar o que se afirma”).

13-02
Moção

“Acto ou efeito de mover ou mover-se (do latim ‘motiõne’ –, 'movimento').” Este é o primeiro significado que os dicionários registam. Depois, surge: “Apresentação de um assunto para ser discutido em assembleia.” Mas aquele sentido em que o leitor está a pensar aparece mais adiante e com pormenores. “Moção de censura: censura parlamentar dirigida ao Governo.” Também há a “de confiança”: “Requerimento do Governo dirigido ao Parlamento em que é solicitado um voto de confiança.” Aqui, já se refere a origem de “moção” como sendo do inglês, “motion”. Ainda assim, trata-se de movimento.

Normalmente de bastidores. Por vezes, o movimento maior antecede a própria moção. É preciso negociar, saber quem viabiliza, a quem interessa, se é o momento certo. Enfim, “movimentações”. Quando as moções de censura são aprovadas, há mesmo quem tenha de se pôr a mexer. Pelo menos temporariamente. O mesmo quando as de confiança são rejeitadas. Mas isso não vem nos dicionários, vem nos jornais. Outros registos para “moção”: choque, comoção, inspiração divina.

06-02
Revolta

“Levantamento em massa contra a autoridade estabelecida”, eis um dos primeiros significados que diferentes dicionários atribuem à palavra “revolta”. Seguem-se outros, nem sempre pela mesma ordem: rebeldia, insurreição, tumulto, bernarda, indignação violenta. Dez a 20 entradas depois, surge uma palavra semelhante: “Revolução.” Para alguns, esta é um sinónimo da anterior. Para outros, define-se assim: “Sistema de opiniões hostis ao passado e pelas quais se procura uma nova ordem de coisas, um futuro melhor.” De que a revolta pode levar à revolução não há registo – falamos de dicionários. De que uma revolução pode ser “tranquila”, “de veludo”, “silenciosa” ou “de cravos”, também não. O desfecho de ambas não consta. Nem o “futuro melhor” poderia ser ali prometido. Sentidos pacíficos para “revolta”: “Segunda lavra, feita perpendicularmente à primeira, para esmiuçar e afofar a terra.” No Minho, pode significar “curva do rio”. Para “revolução”: “Movimento de um astro em redor de outro.” Será que entontecem? O dicionário não responde. E o movimento prossegue.