Geração bloqueada
Uma geração bloqueada só tem duas opções: ou resigna-se ou indigna-se. Mas indignando-se é obrigada a reinventar-se
Ser jovem do ponto de vista sociológico significa viver em estado de transição: para a vida adulta (o que inclui dimensões identitárias onde as variáveis de ordem psicológica não devem ser negligenciadas); para uma família de destino (de entre uma pluralidade de modelos); para uma qualquer forma de conjugalidade (mais ou menos formal); para uma casa própria (e sabemos a tragédia do mercado de arrendamento em Portugal) e para o mercado de trabalho (cada vez mais segmentado e mergulhado em “flexibilidade”).
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Ser jovem do ponto de vista sociológico significa viver em estado de transição: para a vida adulta (o que inclui dimensões identitárias onde as variáveis de ordem psicológica não devem ser negligenciadas); para uma família de destino (de entre uma pluralidade de modelos); para uma qualquer forma de conjugalidade (mais ou menos formal); para uma casa própria (e sabemos a tragédia do mercado de arrendamento em Portugal) e para o mercado de trabalho (cada vez mais segmentado e mergulhado em “flexibilidade”).
A democratização escolar democratizou também a própria juventude, uma vez que se alargou a várias classes sociais o antigo privilégio de prolongamento da vivência escolar. Deste modo, muitos jovens estão em clara descontinuidade intergeracional, uma vez que possuem níveis de escolaridade bastante superiores aos dos seus progenitores, o que se traduz em expectativas de futuro assaz diferentes. Expectativas, não necessariamente concretizações…
O grande problema é que esta geração se arrisca a prolongar o estado de transição – isto é, a sua juventude – para níveis insuportáveis. Ao invés da sociedade como um todo – que idolatra a juventude como valor e modelo, ao ponto de existir o já diagnosticado “síndroma Peter Pan", dos indivíduos que se recusam a ”crescer” – muitos jovens estão fartos de o ser, encurralados nas ditas transições.
Há quem lhes chame pós-adolescentes ou jovens adultos, mas a verdade é que entram nos trinta, boa parte deles, sem ter um emprego estável, vivendo em casa dos pais e sem filhos. Os recentes dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) são cristalinos: decaem os casamentos, quando se casa é cada vez mais tarde, aumenta a idade em que se tem o primeiro filho, a taxa de natalidade é das mais baixas do mundo (o que geralmente é um indicador de modernidade mas, no caso português, está intimamente relacionado com a dificuldade em “criar” os filhos). Outros números mostram a subida em flecha dos contratos a termo. E a realidade, sabemo-lo, é que amiúde nem contrato existe.
José Machado Pais fala então da geração “iô-iô”, oscilante entre estágios, cursos, subempregos, aprendizagens, desempregos, retornos à escola e experiências múltiplas, incapaz de se fixar num ponto ou perspectiva.
O sistema aproveita a instabilidade para dela se alimentar. Multiplicam-se até à náusea termos como a “criatividade”, a “autonomia”, a “empregabilidade”, as “competências”, a “flexibilidade”, a “adaptabilidade”. Revestidas de uma aura de neutralidade, mas carregadinhos de ideologia como fruta podre.
Qualquer jovem que ler o enigmático e célebre poema de Carlos Drummond de Andrade dará o seu próprio sentido “à pedra no meio do caminho”. Há pedras que são muros:
"No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra
No meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
Na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
Tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra."
Uma geração bloqueada só tem duas opções: ou resigna-se ou indigna-se. Mas indignando-se é obrigada a reinventar-se.