Ser médico "deixou de ser uma profissão com emprego garantido"
Já há médicos a emigrar e a concentração do SNS deve piorar o cenário. Formação dos estudantes de Medicina também está comprometida, diz o bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, em entrevista ao P3
Os médicos estão a emigrar mais?
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Os médicos estão a emigrar mais?
Sim, há colegas que, depois de terem terminado a especialidade, estão a emigrar, porque a contratação de médicos está suspensa em Portugal. A contratação de pessoas para a função pública está suspensa, portanto há médicos que não conseguem emprego cá e a concentração de recursos do Serviço Nacional de Saúde (SNS) piora ainda as perspectivas no futuro imediato. O progressivo aumento dos "numerus clausus" de Medicina e de cursos muito para além daquilo que era necessário, vai fazer com que seja impossível abrir vagas de especialidade para todos os licenciados de Medicina em Portugal. Naturalmente que todos os jovens médicos têm a perspectiva legítima de concretizar uma especialidade e, por isso, estão a desenvolver contactos no sentido de tirarem a especialidade no estrangeiro. Quer na Europa quer no Brasil. É essa a realidade actual, que se vai agravar muito.
Com esse quadro, o futuro dos jovens médicos e dos estudantes de Medicina parece negro.
É muito complicado. Uma coisa é absolutamente evidente: a medicina deixou de ser uma profissão com emprego garantido e bem remunerado e com gratificação pela qualidade do trabalho desenvolvido. Isso é muito mau para os doentes e vai levar – já está a levar – a que os jovens licenciados em Medicina comecem a olhar para a emigração como uma solução. O que é dramático e representa um deserto de ideias e uma afirmação desesperada é ser o próprio primeiro-ministro a estimular os jovens portugueses à emigração. Quando aquilo que os jovens esperavam de um Governo era a criação de condições para poderem realizar-se pessoal e profissionalmente no seu país. Afinal, as críticas que se faziam ao Estado Novo repetem-se de forma absolutamente igual na democracia. Com a única diferença de haver mais liberdade de expressão.
A qualidade do ensino também está a ser posta em causa?
Está tudo a ser posto em causa, porque as universidades têm visto nos últimos anos uma redução drástica dos recursos, que põe em causa, em primeiro lugar, a investigação, e, depois, a contratação de professores (o que faz com que, na Medicina, haja aulas práticas com 30 alunos, o que obviamente é a antítese da qualidade e do bom ensino). É preciso repensar o ensino. Se há desinvestimento em tudo, não sei como vamos construir o futuro. Temos de estar profundamente preocupados – como profissionais e como cidadãos.