Vistos para Angola continuam a ser difíceis
Todos os dias, Miguel Costa, 51 anos, vai ao consulado angolano em Lisboa tratar de uns "dez vistos". A sua empresa faz serviços de consulado e Angola é, "sem dúvida", o país mais concorrido. Mas não notou qualquer diferença desde que o protocolo para facilitar vistos entre Portugal e Angola foi publicado no Diário de Governo angolano, a 15 de Novembro.
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Todos os dias, Miguel Costa, 51 anos, vai ao consulado angolano em Lisboa tratar de uns "dez vistos". A sua empresa faz serviços de consulado e Angola é, "sem dúvida", o país mais concorrido. Mas não notou qualquer diferença desde que o protocolo para facilitar vistos entre Portugal e Angola foi publicado no Diário de Governo angolano, a 15 de Novembro.
Há versões contraditórias sobre o novo sistema de vistos. O protocolo que alargaria os prazos e permitiria múltiplas entradas no país ainda não está a ser aplicado, diz, na fila, quem se prepara para emigrar, trabalhar ou está simplesmente a tratar da documentação para outros. Isto, apesar de as entidades oficiais dos dois países garantirem o contrário.
A Câmara de Comércio e Indústria Portugal-Angola, com 400 empresas associadas, confirma que nem tudo está bem: "Aquilo que as empresas nos dizem, e não consigo concretizar o número, é que ainda não entrou em funcionamento", diz a directora executiva, Isabel Santos. O presidente do sindicato da construção civil, Albano Ribeiro, confirma que, de acordo com as informações que lhe chegam, a situação não mudou e que continuam a saber de trabalhadores que esperam meses pelo visto ou "ficam sem passaporte durante três meses".
Mas a embaixada angolana, através do assessor de imprensa, Estevão Alberto, diz que o protocolo já está aplicado. Ao Ministério dos Negócios Estrangeiros português, que costumava receber "imensas" reclamações sobre os vistos para Angola, não chegou "uma única queixa", também afirma Miguel Guedes, assessor de imprensa do ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Portas. O assessor acrescenta que, apesar de "atrasos pontuais", o novo sistema está a funcionar "em pleno" no consulado angolano. Garante ainda que, no consulado português em Angola tudo está a funcionar "a 200%".
O PÚBLICO tentou também ter uma reacção da cônsul angolana, sem sucesso. Contactámos empresas com negócios em Angola, como o BPI, Mota-Engil e Deloitte, para saber se têm tido problemas, mas não conseguimos resposta até ao fecho desta edição. A Galp não tem tratado de vistos nos últimos tempos.
Nas novas regras, os vistos têm emissão mais rápida, são renováveis e mais longos que os anteriores (três anos, contra o anterior um ano), e permitem múltiplas entradas. Os vistos mais curtos passaram de um para três meses, emitem-se numa semana e permitem várias entradas.
A 15 de Setembro, Paulo Portas e o seu homólogo angolano, Georges Chikoti, assinaram um protocolo para tornar mais fácil a mobilidade das sete mil pessoas que viajam semanalmente entre Lisboa e Luanda. O acordo foi considerado essencial para facilitar os negócios com um país-chave para Portugal em termos económicos. Segundo o Observatório da Emigração, vivem em Angola mais de 100 mil portugueses. Actualmente, é o segundo destino de emigração. As remessas de emigrantes em Angola chegaram quase a 135 milhões de euro, em 2010. Portugal é o principal exportador para Angola, para onde vendeu quase dois mil milhões de euros.
A concessão de vistos era uma das maiores complicações para as trocas comerciais entre os dois países e gerou situações ilegais. Em Julho, 42 trabalhadores da construtora Prebuild ficaram sob custódia dos Serviços de Migração de Estrangeiros de Angola por terem enviado os passaportes para Portugal para revalidar os vistos.
Sexta-feira foi o último dia antes de o consulado angolano fechar para férias, até reabrir a 9 de Janeiro. À porta, dezenas de pessoas faziam fila antes da abertura, às 8h30.
Negócios continuam
Muitos ganharam com o quebra-cabeças que se tornou pedir o visto. Pouco depois das nove da manhã de sexta, Miguel Costa está de pasta na mão numa fila que rapidamente se encurta. Este é o seu negócio e não é o único a explorá-lo: numa "sondagem" à porta do consulado consegue-se encontrar pessoas ao serviço de empresas que tratam dos vistos - de turismo ou de trabalho - por preços entre 50 e mais de 400 euros.
Vários marcam lugar para os clientes que, desde há dois meses, têm de ir pessoalmente registar os dados biométricos. A empresa de Miguel Costa tem um protocolo com o consulado, segundo o qual paga 150 euros por ano para fazer o pedido na Internet e ter acesso a senhas "mais rápidas" - outras empresas assinaram este protocolo, que não existe na embaixada portuguesa em Angola.
Não conseguimos confirmar com as autoridades angolanas o número de vistos emitidos diariamente. Mas há quem garanta que, desde há "dois, três meses", as pessoas na fila têm aumentado: "Vê-se que há mais gente. Não há trabalho, as empresas estão a mandar o pessoal para a rua e as pessoas emigram", diz Martinho Rosa, 49 anos, que faz o serviço para a construtora em que trabalha.
Gonçalo Gordo, 30 anos, é um dos que se prepara para partir: faz consultoria numa marina em Luanda e vai, pela segunda vez, a Angola, com o visto de um mês, que pode ser prorrogado "lá". Fechou a empresa em Portugal para apostar em Angola pelos "vencimentos", "muitas oportunidades" e "muita coisa por explorar". Actualmente desempregado, Carlos Macedo. 37 anos, vai com expectativa começar vida nova na área da "grande distribuição". Antes de entrar pela porta do consulado onde ia levantar o passaporte, conta que ia emigrar para o país onde nasceu mas que, na verdade, não conhecia. "Vou ao desconhecido". Chegaria a Luanda anteontem, sábado.