Da bola de couro às chuteiras de 200 gramas de Ronaldo
“Se fosse hoje, o Eusébio marcava golos de baliza a baliza”, conta Hilário, antigo defesa do Sporting dos anos 60 e um dos mais antigos internacionais portugueses vivos. Os dois jogadores beneficiaram pouco (ou quase nada) dos avanços que a modalidade sentiu nos últimos 50 anos. No princípio do século passado, as condições dos jogadores eram muito diferentes... para pior. Além dos postes ainda serem quadrados e de madeira e os campos pelados, as regras também eram poucas. Era o tempo da bola quase quadrada.
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“Se fosse hoje, o Eusébio marcava golos de baliza a baliza”, conta Hilário, antigo defesa do Sporting dos anos 60 e um dos mais antigos internacionais portugueses vivos. Os dois jogadores beneficiaram pouco (ou quase nada) dos avanços que a modalidade sentiu nos últimos 50 anos. No princípio do século passado, as condições dos jogadores eram muito diferentes... para pior. Além dos postes ainda serem quadrados e de madeira e os campos pelados, as regras também eram poucas. Era o tempo da bola quase quadrada.
Quando Portugal foi jogar com Espanha, em 1921, só pouco antes os guarda-redes tinham sido obrigados a usar um equipamento diferente dos outros jogadores e passaram a poder usar as mãos (sem luvas) dentro da área. Ainda não era válido o canto directo.
Na viagem para Madrid, os futebolistas, treinadores, dirigentes e jornalistas foram divididos em dois compartimentos. Passaram o tempo a jogar às cartas e ao “sete e meio”, conta o livro A nossa selecção em 50 jogos, de João Nuno Coelho e Francisco Pinheiro. Nos dias de hoje, as viagens não são muito diferentes, trocando o comboio pelo avião.
Dentro do campo, as coisas já não são tão semelhantes. O primeiro campeonato oficial de clubes em Portugal apareceria em 1934, mas a I Divisão tal como a conhecemos hoje só surgiu dois anos depois. Ser jogador de futebol naquela altura estava longe do glamour dos dias de hoje.
A começar pela bola, o elemento mais importante do jogo. Era de couro e cosida à mão. “Quando estavam secas dava para jogar, mas com chuva pesavam o triplo, quase um quilo”, lembra Hilário, que não se esquece do nó na corda à volta do pipo. “Era uma protecção com um atacador grosso e, quando se cabeceava, de vez em quando fazia mossa na testa”, conta.
Nos anos 50 só existiam quatro campos relvados (Benfica, Sporting, Belenenses e Atlético). E isso condicionava o calçado. As chuteiras do início do século eram de cano alto, alguns modelos eram adaptações de botas usadas por operários.
A evolução fez com que o roupeiro do clube fosse também técnico de equipamentos. Era ele quem levava os pitons e as travessas, consoante o piso, se era pelado ou relvado; ou se estava molhado. “Com a chuva, pesavam que era uma coisa louca”, desabafa Hilário.
O roupeiro levava uma forma de aço, martelo e pregos para substituir os pitons. Munido de um alicate tipo torquês para os arrancar, fazia-o no balneário do campo onde estivessem. Hoje, existe a fábrica da Nike. É lá que trabalha Stefano Buosi, o especialista que criou um modelo de botas desenhado especialmente para os pés de Cristiano Ronaldo, através de um molde feito à medida.
São personalizadas, cosidas com o nome do craque e o número da sua camisola - mesmo ali ao lado dos atacadores, tão finos que passam despercebidos. “A bota não pode estar demasiado apertada nem lassa, o pé torna-se diferente com os anos, incha, alarga, ganha calosidades, pequenas deformações que têm de ser defendidas e cuidadas”, diz Buosi. Como o mundo (futebolístico) mudou...
As caneleiras passaram de um material pesado que cobria a canela quase toda, de cabedal e com protecção de plástico para uma fibra de carbono finíssima. As camisolas, calções e meias eram, outrora, feitas de tecido e lã e quando os jogadores suavam muito ou chovia tornavam-se pesadas. Hoje, o material é feito de fibra, não absorve a chuva nem o suor.
Mas não foi só na indumentária que as coisas mudaram. Guardiola prescindiu, recentemente, da concentração dos jogadores. “Não sou polícia, eles sabem o que devem fazer”. Diferente do tempo em que os jogadores, caso fossem solteiros, ficavam nos lares dos clubes.
A sua dieta era orientada pelos médicos dos clubes. Que aconselhavam uma taça de vinho para carne e outra para peixe, uma alimentação completamente mudada ao longo dos anos. “Antes de um jogo decisivo, há pequenos pormenores que fazem a diferença e a nutrição é um deles, traz mais-valias, evita a fadiga precoce durante a partida”, diz a nutricionista Andreia Santos, que destrói o mito do alimento ideal para o atleta ser a carne e o peixe - aquilo a que chama “desmistificar a ideia em relação à proteína”.
Há 90 anos, Portugal saiu derrotado frente à “Hespanha” mas escapou à goleada no seu primeiro jogo oficial. No último duelo entre ambos a vitória foi portuguesa e os espanhóis saíram goleados. Um sinal de evolução ou um mero acaso?