Os bairros do mundo vão estar nas fachadas do Bairro Alto
Uma mulher varre o passeio, à entrada de casa, e há um homem que varre também. Ela tem frio que a manhã é de nevoeiro no Bairro Alto, Lisboa, e ele calça chinelos porque não tem. Ela é de carne e osso, ele fotografia tirada na Vila Madalena, um bairro de São Paulo. Pedro Costa e Ricardo Lopes, andaram por dez cidades do mundo a fotografar Bairros como nós, em exposição no Bairro Alto entre terça-feira e domingo, a propósito da comemoração de mais um aniversário desta zona lisboeta.
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Uma mulher varre o passeio, à entrada de casa, e há um homem que varre também. Ela tem frio que a manhã é de nevoeiro no Bairro Alto, Lisboa, e ele calça chinelos porque não tem. Ela é de carne e osso, ele fotografia tirada na Vila Madalena, um bairro de São Paulo. Pedro Costa e Ricardo Lopes, andaram por dez cidades do mundo a fotografar Bairros como nós, em exposição no Bairro Alto entre terça-feira e domingo, a propósito da comemoração de mais um aniversário desta zona lisboeta.
Os "bairros altos" do mundo estão naquele homem que varria o passeio, na mulher de rolos na cabeça no interior no cabeleireiro, no rapaz que passa música para a rua da sua janela, no cozinheiro do restaurante que deixa a porta aberta para a rua ou nas campanhas de moradores contra o barulho dos bares à noite. Estas são algumas das fotografias que vão espalhar por 15 fachadas, em jeito de provocação, diz Ricardo Lopes.
"Vão estar coladas nas paredes, o que vai contra esta lógica da limpeza do bairro." Porque o bairro, argumenta Pedro Costa, também assume essa função de "espaço de comunicação em termos artísticos", através de cartazes.
Numa delas, tirada em Londres, lê-se num letreiro amarelo de grandes dimensões: "Please, use toilets provided". A ideia é colarem-na numa daquelas esquinas do bairro que à noite se transformam em urinóis públicos. A ideia é que as fotografias possam funcionar como "espelhos do Bairro Alto", explica Ricardo Lopes.
Os dois fotógrafos e investigadores do Centro de Estudos sobre a Mudança Socio-económica e o Território (Dinâmica-CET), do ISCTE, partiram de outro projecto de investigação, onde compararam espaços de Lisboa, São Paulo e Barcelona, nos quais estavam incluídos os bairros. Desta vez, embora sem a sustentação científica que dois anos de investigação deram ao Creatcity, o projecto anterior, partiram para outras cidades. A escolha dos bairros nem sempre foi a mais óbvia. Já tinham fotografias de algumas, de outras não. Voltaram aos bairros, observaram-nos, fotografaram-nos, aprenderam a sua história.
Mas o que há em comum entre o Bairro Alto e Gràcia (Barcelona), Marais (Paris), Kreuzberg (Berlim), Vila Madalena (São Paulo), Beyoglu (Istambul), Oltrarno (Florença), Capitol Hill (Seattle), Indre By e Norrebro (Copenhaga), Haight and Russian Hill (São Francisco) e Brick Lane (Londres)? As dinâmicas de bairro, a diversidade de actividades e de pessoas.
Brick Lane desenvolve-se ao longo de uma rua, Vila Madalena tem passeios irregulares, de socalcos, Beygolu é um dos mais virados para o tradicional, em Kreuzberg há galerias que são atelier e casa ao mesmo tempo, uma parte do Marais, que se caracteriza pelo comércio de luxo, continua a ter uma zona de lojas de chineses.
"O Bairro Alto é o denominador comum, o que faz a ligação entre todos", explica Pedro Costa. E dos problemas de cada um, da forma como vão sendo resolvidos, das políticas dos seus países e cidades e da história e evolução de cada um é possível tirar várias lições para o Bairro Alto. A partir daqui, está aberta a discussão, que também tem um lugar na programação (ver texto em baixo) da semana de comemoração dos 498 anos do Bairro Alto, em que qualquer um pode participar. Na sexta-feira, às 18h, numa conferência na Casa da Imprensa, para além dos fotógrafos, estarão presentes outros investigadores, como Samuel Dias, Cristina Latoeira, Walter Rodrigues, Ricardo Campos e João Seixas.
Também na Casa da Imprensa estarão expostas mais fotografias dos "bairros altos" das dez cidades, agrupadas por séries: cabeleireiros, graffiti, manequins em montras, cozinheiros... Serão uma espécie de bairro construído, a partir de todos os outros, em que o importante não é identificar o local de cada fotografia, explica Ricardo Lopes. Porque cada uma delas "poderia ter sido tirada noutro bairro qualquer".
"Podemos aprender, com a evolução dos outros bairros, que se não fizermos nada o Bairro Alto vai evoluir no sentido de desaparecimento enquanto bairro criativo", conclui Pedro Costa, que reconhece que isso já está a acontecer por causa da "massificação" do bairro. O que, do ponto de vista do investigador, é actualmente o maior perigo para o Bairro Alto. "Não podemos chegar aqui de um dia para o outro e eliminar tudo nem deixar fazer tudo, é uma gestão difícil para tentar manter as características do bairro de forma a não o deixar morrer."
A forma como se gerem os conflitos de uso, característicos destes "bairros altos" será determinante para que evoluam num sentido ou noutro. Também a forma como se "fecha os olhos" a algumas coisas. "Se eu fizer cumprir todos as regras que definem como os bares têm de funcionar também deixo de ter criatividade artística", argumenta. "Se a Galeria Zé dos Bois tivesse de funcionar com todos os requisitos não estaria ali", exemplifica Ricardo Lopes.
O Bairro Alto, reconhecem, está, ainda assim, "mais protegido" do que outros bairros que fotografaram, por restrições impostas pelo plano de pormenor para a zona, por exemplo. "O Bairro Alto pode transformar-se rapidamente num bairro gentrificado, com restaurantes para turistas, lojas, um bocado como as zonas de fronteira como o Príncipe Real e o Chiado", prevê Pedro Costa. Aí as "actividades criativas" terão de se deslocar para outras zonas. Diz não saber para onde por não haver outras com a massa crítica do Bairro Alto.
"Mas quem somos nós para dizer se o bairro deve ser criativo ou não?", questiona-se. "O que interessa para o bairro é que seja um espaço criativo ou então um espaço onde vivam pessoas de classe média-alta com filhos, porque isso é que é a revitalização do espaço urbano."
Programação: um bairro em festa durante toda a semanaApesar de não se tratar de uma data "redonda", as comemorações do 498º aniversário do Bairro Alto começam hoje às 11h, com um concerto da orquestra do Conservatório Nacional, dirigida por Alexandre Branco e a solista Bárbara Costa, na Escola de Música do Convervatório Nacional. Ao longo da semana haverá exposições, conferências, encontros, visitas guiadas pelo bairro, concertos e espectáculos de dança e teatro.
"Isto surgiu da necessidade de as várias entidades do bairro se conhecerem, saberem o que andam a fazer, para que dentro da ilha que é o Bairro Alto não existam também várias ilhotas", explica Belino Costa, presidente da Associação de Comerciantes do Bairro Alto.
Para amanhã, às 10h, está prevista uma partida de sueca entre os sócios do Lisboa Clube Rio de Janeiro e os agentes da PSP que costumam prestar serviço no bairro, e às 10h30 decorre uma visita - um itinerário guiado Tudo a ver com o Bairro Alto.
Durante toda a semana pode ser visitada a exposição fotográfica Bairro Alto - quotidiano e figuras, na Praça Luís de Camões.
A Hemeroteca vai organizar várias visitas guiadas. Na terça-feira, às 10h30, a viagem é pela toponímia do Bairro Alto e na quinta-feira à mesma hora há a visita "Bairro Alto - Capital do Jornalismo Português". A animação de rua começa na Praça Luís de Camões às 18h e às 19h cantam-se os parabéns ao Bairro Alto pelos seus 498 anos com o flash mob. A festa encerra no próximo domingo às 16h30 com uma sessão de fados no Café Luso.