Dificuldades económicas forçam desistências no Ensino Superior

Novo regulamento das bolsas de estudo pode vir a agravar número de desistências

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O número de estudantes que abandona o ensino superior terá tendência a aumentar. Marta Coelho, de 22 anos, conhece bem as dificuldades de prosseguir os estudos com dificuldades económicas. Iniciou o percurso académico aos 17, mas já foi obrigada a interrompê-lo várias vezes.

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O número de estudantes que abandona o ensino superior terá tendência a aumentar. Marta Coelho, de 22 anos, conhece bem as dificuldades de prosseguir os estudos com dificuldades económicas. Iniciou o percurso académico aos 17, mas já foi obrigada a interrompê-lo várias vezes.

Em 2006 ingressou na Licenciatura em Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP). Com uma situação financeira débil, Marta conta que havia períodos em que não conseguia comparecer às aulas por não ter dinheiro para almoçar.

A residir em Santa Maria da Feira, a prioridade no início do mês era tirar o passe. Quando tinha aulas todo o dia a solução era almoçar na faculdade. Porém, dias existiram em que “nem um euro tinha na carteira.” Era uma amiga que a ajudava: “Quando me emprestava cinco euros, eu almoçava na cantina e o que sobrava levava para casa. Dois euros e meio já davam para o meu pai pôr gasolina e ir trabalhar.”

Nunca reprovou a nenhuma cadeira. Acompanhava as aulas com os documentos que os professores disponibilizavam e mesmo com estes percalços formou-se com média de 16 valores.

"Se não fosse a bolsa, não tinha tirado o curso"

Com um agregado familiar numeroso, Marta e as irmãs sempre tiveram bolsas de estudo ou bolsas de mérito. Quando terminou a licenciatura viu-se obrigada a parar durante um ano. Fazia trabalhos esporádicos e tentava amealhar dinheiro para um dia voltar a estudar. E assim foi.

Actualmente é mestranda em Sociologia na FLUP, mas desta vez não conseguiu sequer frequentar as cadeiras do primeiro semestre. Resiliente, e com receio de ter de protelar os sonhos uma vez mais, envia currículos para todo o lado. “Eu só quero um trabalho, já nem peço o Euromilhões, nem sequer um emprego. Gostava de chegar ao fim do mês com algum dinheiro, pouco ou muito... tanto faz.”

"Percebi que não podia continuar"

Já Carolina Araújo, de 23 anos, não teve o mesmo destino. Frequentava o terceiro ano da licenciatura em Ciências da Comunicação na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), em Vila Real, mas a crise acabou por ditar um término definitivo.

Em entrevista telefónica ao P3, Carolina, que não era bolseira, percebeu, durante uma conversa com o pai, que não podia continuar na faculdade, ainda que estivesse no último ano.

Nunca chegou a pedir ajuda, embora o pai tenha precisado de contrair empréstimos. Foi ao cinema, diz, duas ou três vezes e não comprava "bens pessoais" como roupa, por exemplo. Entre outras medidas de austeridade, almoçava sempre em casa, fumava menos e evitava tirar fotocópias: "Perguntava aos professores se não podiam pôr [a matéria] online, porque as fotocópias eram muito caras."

Actualmente, Carolina é administrativa, reside em Lisboa e emigrar não faz parte dos seus planos - pelo menos a curto prazo. Não pensa, também, voltar à faculdade, mas tem pena de não poder trabalhar na área da comunicação.  

O novo regulamento das bolsas de estudo pode agravar o cenário: cerca de 30 mil pedidos foram indeferidos. Em 2012 a situação deverá agravar-se, consequência dos cortes que ultrapassam os 178 milhões de euros no Ensino Superior. Segundo o Diário Económico, em Janeiro e Fevereiro de 2011, os cancelamentos de matrículas e desistências aumentaram em 20%, valor que ultrapassa os números registados em todo o ano de 2010.