"Se Desenha Uma Casa" ou a "Observação"?
Prémios esbanjam os seus autores, citações elogiosas gastam páginas e "sequelas" sucedem-se há décadas na poesia portuguesa
Por esta altura do ano há uma épica disputa nas montras das grandes livrarias. Há um livro que anuncia ter recebido inúmeros prémios, outro que recolhe mais citações elogiosas e ainda aquele que, à falta de melhor, tem mais sequelas. Normalmente a um canto da loja (a psicologia do "marketing" explicará sem metáforas) há outra coisa ainda e essa coisa é que é a poesia. Aí se vão escondendo os mais recentes livros de dois dos autores portugueses mais relevantes: “Como Se Desenha Uma Casa” de Manuel António Pina (MAP) e “Observação Do Verão” de Gastão Cruz.
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Por esta altura do ano há uma épica disputa nas montras das grandes livrarias. Há um livro que anuncia ter recebido inúmeros prémios, outro que recolhe mais citações elogiosas e ainda aquele que, à falta de melhor, tem mais sequelas. Normalmente a um canto da loja (a psicologia do "marketing" explicará sem metáforas) há outra coisa ainda e essa coisa é que é a poesia. Aí se vão escondendo os mais recentes livros de dois dos autores portugueses mais relevantes: “Como Se Desenha Uma Casa” de Manuel António Pina (MAP) e “Observação Do Verão” de Gastão Cruz.
No conjunto de MAP, como logo se lê, casa é a palavra-chave e no poema de abertura está o verso que iluminará o que se segue: “Uma casa é as ruínas de uma casa”. Este será o espaço que possibilita o regresso à origem. Para o ‘desenhar’ é preciso convocar e juntar fragmentos, recordações, imagens. Regressa-se pela memória, com um dobrar e desdobrar de marcas específicas e pequenas assoalhadas: “Digo ‘casa’, mas refiro-me a luas e umbrais, / a lembranças extenuadas, / às trevas do corpo, lúcidas, / latejando na obscuridade de quartos interiores”. Acrescente-se que não há, como quase nunca houve em Manuel António Pina, uma ideia de grandiosidade, habitando a poesia num espaço mais trivial, “onde o Lexotan se tornou literatura”.
A temática do conjunto de Gastão Cruz não está muito distante da de MAP. Distancia- se, sim, no estilo, pois, se o desenho implica um traço mais largo e demorado, a observação envolve um olhar mais rigoroso e uma condensação que se reflecte na escrita, particularmente na primeira parte do livro: “Onze velas na ria e vozes que a dirigem: o calor sulca as águas; puxa o leme, alguém grita”. Digo que não estão os dois livros afastados porque, se Pina reconstitui o passado nas ruínas da memória, Gastão Cruz também regressa, mas frequentemente mediante um espaço mais referencial (o que não deixa de ser curioso se olharmos à geração a que cada um está conotado): “Sair do mar deitar / na areia o corpo como se o chamasse / o sonho desta noite tão exacto // na reconstituição do que era / oh alucinação da juventude / aproximar os corpos”.
É bem provável que quem compre o livro de MAP leve para casa uma faixa a indicar o Prémio Camões 2011, o que, no meio de tais contendas editoriais, é como uma nau a passar pelo Adamastor. Mas valerá a pena investir poucos euros nestes títulos. Prémios esbanjam os seus autores, citações elogiosas gastam páginas e "sequelas" sucedem-se há décadas na poesia portuguesa.